Cowboys do Vale 3 - Quando as aparências enganam!
Resumo: Ele já se cansara da solidão. Antes, era visto como um dos homens mais atraentes
de sua cidade. Era tão assediado que precisava fugir das mulheres. E, em apenas alguns
minutos, tudo virara de ponta a cabeça. Num maldito incêndio, uma viga caíra sobre ele e
lhe esmagara o rosto. Ficara tão monstruoso que sua noiva o abandonou dois dias antes do
casamento. Infeliz, só lhe restava a boate de Madame Vartan. As garotas de programa, as
quais eram conhecidas como mademoiselles do Le Mirage, não o
desprezavam por ter-se tornado um homem feio. Mas elas não estavam apenas interessadas no
pagamento que viria depois do grande sacrifício por se deitarem com ele?
Ricardo Sivelie olhava pelo parabrisa da velha caminhonete e se perguntava onde estava com a
cabeça ao sair de casa com aquele tempo pavoroso. Chovia à cântaros!
Bem... Na verdade, o tempo estava muito tranquilo quando pensara em partir para as montanhas
naquela manhã. O problema era o carro. Não! O problema foi querer, mais uma vez, ficar
sozinho consigo mesmo.
Quando saíra da fazenda, parecia que a chuva seria fraquinha. Não trovejava e nem
ventava forte. Mal começara a subir aquela estradinha perigosa das montanhas que o
levaria ao seu refúgio, tudo mudara. A chuva passara a ser pesada e o vento
arrancava as árvores do chão com raiz e tudo!
Aquela estrada tinha mais curvas que as mademoiselles da boate da madame Jacqueline Vartan!
Droga! Por que tinha que pensar naquela casa de pecados logo agora?
Nos últimos dias, vinha sendo invadido pelo desejo de contratar, por tempo
indeterminado, uma das meninas da madame. Já que não podia ser amado por ninguém,
alugaria uma mulher para ficar em sua casa por 24 horas diárias. Ele tinha mesmo chegado
a conversar com madame Jacqueline, a dona da boate quando lhe fez a proposta.
Tanto a madame quanto seu irmão Zacharias, tentaram mostrar a ele o quanto aquela ideia era
ridícula. Como sempre, o irmão ajuizado pensava com a cabeça e não com o sexo.
Já a madame achava que ele deveria pensar mais com o coração do que com as suas partes
sexuais.
Mas Ricardo não estava pensando com o sexo. Estava cansado de ficar sozinho. Por acaso
não ia a boate de Madame Jacqueline quase todas as noites e não pagava uma mademoiseles
para passar a noite inteira com ele?
- Está pensando em se casar com uma das meninas que trabalham na boate de Jacqueline? - Zacharias esbravejara.
- Não. Só estou pensando em alugar os serviços de uma... Mais ou menos como juntar os
trapinhos com uma delas... - Ricardo dissera um tanto
desalentado ao ver a reprovação no rosto do irmão.
- E onde está a diferença? - Zac ergueu momentaneamente a bengala que usava desde o
incêndio que o deixara com uma perna manca.
- Ora essa! Casamento é para a vida toda e... Eu estou pensando em pagar por uma...
Bem... Uma espécie de emprego por tempo indeterminado.
- As vezes penso que você não tem um pingo de juízo, meu irmão. É tão inteligente para
algumas coisas e tão burro quando se trata de sua vida pessoal...
- Mas já não pago por uma garota quase todos os dias?
Zacharias Sivelie abanava a cabeça como se estivesse abismado. Tinha vontade de dar
uma surra com sua bengala no irmão para ver se colocava um pouco de juízo naquela cabeça
ôca!
- E se essa ingênua donzela resolver lhe dar um filho?
- Tomarei cuidado para que isso não aconteça.
- Como?
- Usando camisinha, ué!
- Esquece-se de que você é um homem rico e que uma garota poderá usar de infinitos
meios para engravidar de você e depois lhe dar um belo pontapé na bunda e exigir uma
pensão que vai deixá-la longe das casas de prostituição para o resto da vida?
- E se ela gostar de mim?
- Quer morder meu dedo para ver se sai coca cola?
- Diz isso por que sou um deformado, um mutilado, um anormal? Antes, as garotas
faziam fila para se deitarem comigo.
- Disse tudo. Antes. Agora você conhece bem o que uma mulher pode fazer com um homem.
Sentiu na própria carne. Sabe como amar alguém pode ser um desastre. E quer cometer esse
erro mais uma vez?
- Não vou me apaixonar. Só não quero continuar a viver sozinho. Não suporto mais isso!
- Já comentou essa sua ideia maluca com alguém mais além de mim?
- Falei com Henrique e com Raphael.
- E o que eles disseram sobre você querer pagar por uma mulher por tempo integral?
- Mais ou menos, o mesmo que você. Disseram que eu devo estar
ficando maluco!
- Falou com mais alguém, não?
- Bem, falei com Jacqueline e com o Jean Pierre para saber se a ideia era possível.
- Oh, Deus! - Zac Sivelie ergueu as mãos aos céus. - Foi falar logo com eles? -
Embora, por alguns instantes os olhos de Zac Sivelie tivessem se atenuado um pouco
ao lembrar da dona da boate, voltou a ficar sério. Seu irmão, antes tão correto, depois do
acidente perdera completamente o juízo. Todos os dias aparecia com uma novidade impensável.
Para dizer a verdade, nunca ouvi falar em tal absurdo! De onde vai tirar tanto
dinheiro? Não seria mais fácil encontrar uma garota qualquer por aí e se casar de
verdade? Teria uma esposa, encheria essa casa de crianças e pararia de ficar ensimesmado
com um acidente que aconteceu há anos! Precisa pensar no futuro e parar de se ver como era
antes. Já era! Aquele tempo se foi! O acidente deve ter levado não só a metade de seu
rosto, mas também a metade do seu cérebro!
Naquele dia, irritado com a bronca do irmão mais velho, Ricardo Sivelie só queria
ir para a sua cabana e pensar em sua vida. Estava cansado daquela tristeza, daquela solidão
que enchia seus dias de dor e infelicidade. Já não suportava mais viver daquela forma e
não conseguia encontrar uma outra solução para acabar com aquelas noites tristes e vazias
que há seis anos faziam parte de sua vida.
Será que ninguém conseguia entender que ele não queria se prender a uma garota? E nem
que ela se prendesse a ele! Se arranjasse uma esposa, certamente ela se uniria a ele por
que era um homem rico. Logo o estaria traindo com qualquer um. Logo lhe jogaria na cara
que tinha repulsa em se deitar com ele. Já uma mulher a quem ele pagasse jamais o rejeitaria. Estaria
recebendo um bom dinheiro para fazer o que ele quisesse! Era uma coisa bastante prática. Um
contrato! Era como se estivesse dando um emprego a uma mulher. Era tão difícil que as
pessoas o compreendessem?
Estava imerso em seus pensamentos quando viu que o velho Bené teria que ir ao centro da cidade para fazer
algumas compras e viu que não podia deixar que ele fosse naquela velha caminhonete que
estava caindo aos pedaços, mais parecendo uma carroça. E aquilo parecia até
uma piada. A fazenda tinha vários tipos de quatro por quatro por que ele e os irmãos eram
fissurados por carros grandes. Com uma F250, uma Hilux, uma Land Rover e um Jeep, era
difícil que algum deles ficasse preso numa estrada ruim.
Tudo bem que Raphael levara a Land Rover quando voltara a viver com Letícia tão logo
Dorothea Salviati fora presa, mas ele e Zac ainda tinham os outros carros para subir a
parte da montanha que pertencia a sua família ou ir a qualquer outro lugar.
Por isso, ao ver que o tempo estava meio chuvoso naquela manhã, não permitira que o
velho Bené usasse aquele carro velho que ele tanto amava. Mesmo chovendo pouco,
sempre acumulava um pouquinho de lama e não queria ver o velho que considerava como um pai
caído numa daquelas valetas que acompanhavam a estrada de cascalho um tanto gasto. Ainda
se lembrava do que ocorrera com Joana, há quase um ano, bem na hora em que daria a luz e cujo carro quase
virara numa daquelas ribanceiras que seguiam o caminho. O problema era que, onde se
encontrava agora, não eram mais as valetas que acompanhavam a estrada esburacada e
lamacenta e sim os precipícios que seguiam normalmente uma estrada que subia as montanhas.
Assim, Bené, um tanto contrariado, fora à cidade com o Jeep enquanto ele fora até a
garagem para pegar a F250 para seguir até a sua cabana nas montanhas.
Depois de tantos esclarecimentos sobre o assassinato de seu pai e sobre o incêndio que
deixara seu rosto deformado, ele tinha uma necessidade gritante de ficar sozinho naquela cabana
que construíra para si no alto da montanha que fazia parte de sua propriedade. Tinha muito
em que pensar. Tinha muito pelo que lamentar. Ainda não conseguira esquecer o desgosto que
sentira ao ser abandonado por sua noiva há dois dias de seu casamento. E não gostava de
estar há tanto tempo sozinho. Ficar só era ruim demais!
Aquele incêndio, que acontecera há seis anos, mudara toda a sua vida.
Ia casar-se com Priscila, ia formar uma família, ia ser feliz.
Estava apaixonado e ela era a mulher mais linda que ele já pousara seus claros olhos.
Mas tudo dera errado. Ao ser atingido no rosto por aquela viga incandescente, ele perdera
toda a oportunidade de ser feliz algum dia.
"Monstro! Ela o chamara de monstro!"
Ricardo ficara em coma por cinco dias. Seu irmão Raphael, desesperado e com um imenso
sentimento de culpa, orara por ele a cada minuto assustando aos demais por causa do
desespero em que se atolara. E, Priscila, sua noiva, também orara com ele!
Já seu outro irmão Zacharias não chegara a ficar em coma, mas também não ficara muito
bem. Por pouco não perdera seu membro sexual e Ricardo chegara a pensar, por inúmeras
vezes, que Zac também perdera a capacidade de ereção, já que dificilmente se interessava
por uma mulher.
Alguns anos antes, ele, Raphael e Zacharias eram o terror naquele lugar. As mulheres
quase disputavam aos tapas pelo privilégio de se deitarem com algum deles. Eram ricos,
bonitos e carismáticos. E eram tantas as mulheres que os assediavam que Raphael preferira
largar mão de tudo aquilo e se casar com a muito jovem Letícia..
Ele também ficara um pouco cheio de tudo aquilo. O sexo era bom e ele gostava muito de
sentir o sexo de uma mulher sugando o seu, quente e úmido, mas, depois de tantas mulheres
se abrindo para recebê-lo, começara a ansiar por algo mais além do prazer de se derramar
dentro de uma grutinha qualquer.
Ele queria um pouco mais. Queria que a mulher que estivesse embaixo dele o desejasse
muito mais que a satisfação momentânea. Queria uma família. Queria ter filhos.
Evitava, ao máximo, comentar essas coisas com os irmãos. Não
queria que seus sentimentos e frustrações fossem confundidos com os
sentimentos femininos. Eram as mulheres que queriam ternura em suas relações. Eram elas que
ansiavam por viver um grande amor. Ele não pensava assim. Só não queria estar sozinho.
Queria a companhia de uma mulher para poder chamá-la de sua. Sua mulher, sua casa, sua
cama esquentada por ela!
Antes, quando era um homem normal e com um rosto perfeito, embora o jogo de gato e rato que sempre fazia ao ir para as noitadas
fosse interessante, ele quase não sentia aquela dúvida que acreditava passar na cabeça da
maioria dos homens quando iam à caça.
Ele, quando via alguma garota que o interessava, só pensava em como seduzi-la, e,
no tempo que demoraria para levá-la para a cama. Na verdade, sua maior preocupação
enquanto se desdobrava em atenção e simpatia, era para onde a levaria, sem nem mesmo se
preocupar com o quando e, menos ainda, com o por que.
E era muito difícil, quase impossível que uma garota o rejeitasse. Para falar a
verdade, só sentira essa dor na pele depois que aquela maldita viga lhe esmagara o rosto,
tornando-o parecido com um monstro.
Antes, sabia que era quase irresistível. E nunca se importara com isso pois o que mais
gostava era de estar dentro de uma mulher, não importando quem fosse e, por causa do belo
rosto com o qual a loteria genética o premiara, seu corpo musculoso devido ao duro
trabalho na fazenda, o qual seu pai os obrigava a fazer desde pequeno e a sua altura
excepcional de quase um metro e noventa. Além disso, era visto como um homem rico e,
muitas mulheres preferiam essa qualidade em detrimento de todas as outras.
A viga acabara com a beleza de seu rosto e sua baixa auto estima, somada ao fora que
levara de sua noiva dois dias antes do casamento, acabaram por torná-lo taciturno,
infeliz, com um tremendo complexo de inferioridade, com a sensação de sempre estar
sobrando e por aí afora.
Era certo que agora era até mais rico que antes e sabia que as mulheres ainda
continuavam a admirar essa qualidade excepcional, contudo, por mais de uma vez fora
rejeitado de cara ao paquerar uma garota e tão logo a menina se inteirara de sua conta
bancária, abria-lhe o mais caloroso dos sorrisos.
E, por mais de um ano, deixou que sua fortuna ditasse as regras dos relacionamentos
aos quais se lançava. Mas isso acabou se revelando muito frustrante. Percebia o asco com o
qual a mulher se abria para ele. E era difícil aceitar que uma mulher só o queria por seu
dinheiro.
Antes, podia até ser que assim fosse. Mas tinha outras qualidades, sabia que mesmo de
olho em sua carteira, uma mulher demonstrava prazer de estar em sua companhia, já que era
visto como um dos mais atraentes partidos de Vila Verde.
Se antes dispensara mulheres que se atiravam em cima dele, agora as coisas complicavam.
Por muitas vezes chegara a pensar que era castigo dos deuses por sua arrogância. Ele
escolhia suas presas e ia à caça, satisfeito por ter tantas coisas a seu favor.
Entretanto, sempre achara que era merecedor de todas aquelas dádivas. Ser rico, bonito,
saudável e bem sucedido em tudo o que tocasse era-lhe tão natural como abrir seus olhos
todas as manhãs e perceber que a vida era bela!
Em seu mundo de paqueras só classificava as mulheres em dois grupos. As fáceis e as
menos fáceis. As garotas que dormiam com ele no primeiro encontro e aquelas que se faziam
de difícil mas que depois de uma curta insistência, dormiam com ele no terceiro ou no
quarto encontro. E, de qualquer forma, tanto num caso quanto no outro, jamais ligava para
uma garota, jamais corria atrás delas. As mulheres iam até onde ele estava e, se por
acaso, saísse com uma delas mais de uma vez, era por que insistiam tanto que ele acabava
cedendo aos apelos da garota.
Mas, de certa forma, mesmo antes do acidente, sua vida fútil e promíscua já o incomodava bastante.
Seus amigos sempre falavam das mulheres numa conotação desagradável que só agora o
perturbava, que só agora podia compreender como eram injustos. Alguns deles nunca
ligavam para uma garota que se deitara com eles no primeiro encontro ou nunca insistiam
com uma mulher que bancava a difícil. Outros eram verdadeiros canalhas, já que sabiam que
noventa e nove por cento das mulheres gostavam de homens que não valia nada.
Ele mesmo não acabara oferecendo seu ombro para dúzias delas que lhes abria o coração
chorando por um homem que não lhes dava o menor valor? Então, depois que as acalmava,
depois que dizia que elas precisavam se valorizar, ter mais amor próprio, ser ela mesma,
ele acabava levando-a para a cama e fazendo-a se sentir a mais maravilhosa das mulheres.
Sabia que as mulheres gostavam daquilo. Até parecia que pediam para ser enganadas! Depois,
ele ia embora e nunca mais pensava naquela garota que lhe abrira o coração.
"Certamente estou pagando por tudo o que eu já fiz!"
Na época aquilo parecia não importar. Era apenas mais uma nuance da paquera, da
conquista. Se a mulher se sentia fragilizada, que homem conseguia resistir. Desde que a
mulher não fosse uma daquelas malas chorosas que adoravam se fazer de coitadinhas para
que o homem se deitasse com elas fosse por pena ou por já estar de saco cheio!
Mas isso também era uma das armas utilizadas pelas mulheres para levar um homem à
cama. Não conseguia ver as mulheres com as quais se deitara como vítimas, como a parte
fraca de um relacionamento onde um homem desalmado se aproveitava sem o menor respeito
pelos seus sentimentos.
Pobre do homem que se deixasse levar por tais sentimentos em relação a uma mulher.
Sabia, depois de sua noiva, que aquela aparência frágil, extremamente vulnerável era só
fachada, um embuste para atacar o desavisado sem dó e nem piedade.
Mas o que ele esperava? Que Priscila se casasse com ele e fosse infeliz para o resto da
vida por ter-se casado com uma aberração?
Afinal, se ele era rico, ela também era e não ia precisar dele para nada. Assim que
ela vira como o seu rosto ficara deformado, seu amor desaparecera, se fora junto com o
rosto belo que ele tinha antes daquele incêndio maldito!
Certa vez um amigo seu lhe dissera que ser homem era um presente dos deuses. Bastava
olhar tudo a sua volta para ver que os homens estavam por cima, que mandavam no mundo. A
maioria dos políticos eram homens, a maioria dos grandes empreendedores eram homens, quem
chefiava toda e qualquer denominação religiosa era homem, até Deus era homem! E, quando o
camarada via uma mulher bonita e interessante, bastava fingir-se de romântico, de
atencioso, de gentil, ligar para a garota e até mesmo, dependendo de seu interesse, mandar
flores e bombons. Depois que a levaram num motel, depois que deitaram e rolaram, era só
dizer que ligariam no dia seguinte e pronto. A garota ia até sonhar com ele. Ia achar que
encontrara o homem de sua vida, que o prazer que ele a fizera sentir deixava claro que
haviam sido feitos um para o outro. No dia seguinte, era só escolher outra da lista e assim
a vida ia seguindo seu rumo. Era certo que a mulher se sentiria magoada, rejeitada e
coisas do gênero, mas esse amigo jurava que a tal garota cairia outra vez no mesmo truque,
Talvez, até mais do que seria possível imaginar. E sempre acreditando que daquela vez
seria definitivo!
- Nunca vai se cansar dessa vida? Não quer ter um relacionamento sério? - Ricardo
perguntara sabendo que ele e a maioria dos homens agiam exatamente como seu amigo
estava colocando em palavras.
- Bem... - Seu amigo respondera. - Quando eu me cansar dessa vida, vou escolher uma
namorada. Mas nada dessas garotas oferecidas, que transam com a gente no primeiro dia que
nos conhece. A mulher que vai ser minha esposa
com cara de boa moça, ingênua, bobinha... Assim eu vou poder continuar comendo todas e a
minha mulherzinha vai estar em casa, feliz, cozinhando, cuidando da casa e de mim como se
eu fosse um rei. É claro que vou ser um bom marido e um bom pai! Ela jamais vai ter o que
reclamar de mim!
Ricardo erguera as sobrancelhas ao ouvir tal disparate.
- Ei... Você está noivo. Depois de ter pegado todas, resolveu sossegar.
- Mas vou ser um marido excelente.
- Sei... - O amigo sorriu malicioso. - Isso é o que todos dizem. Até o momento que
você encontra aquela ex amiga gostosona da faculdade que dava pra todo mundo e que agora,
quando beira os quarenta, está ainda mais gostosa e mais experiente.
Ricardo não tinha argumentos contra aquilo. Era certo que nunca traíra sua noiva desde
que assumira o compromisso, mas...
De qualquer forma, não importava mais. Priscila lhe dera o fora e ele ficara a ver
navios. Era um fazendeiro rico que perdera metade de seu rosto e que não suportava mais
ver a cara de nojo que uma mulher fazia quando ele aproximava seu rosto do dela para
beijá-la.
Então, há três anos que não se envolvia mais com aquelas garotas consideradas
decentes. Ia à boate da Francesa. Lá ele pegava a garota que lhe interessasse e pagava
por uma noite inteira de prazer.
Estava errado? Sua última conquista mais séria se deitava com ele apenas por que o
nome de Ricardo Sivelie era um excelente cartão de visitas. A mulher não o queria e nem
meso se interessava por ele. Queria apenas poder comprar o que lhe interessava e ser bem
atendida nos estabelecimentos comerciais. Que diferença tinha ela das mademoiselles da boate
da Madame Jacqueline Vartan com as quais ele preferia se deitar agora? Ao menos sabia as regras
daquele jogo. Ele pagava e tinha sua satisfação garantida e, quando a garota não estava
interessada e fazer todas as posições que eram de seu interesse, isso já ficava
esclarecido na hora em que a escolhia para aquela noite. Era querido e aceito por Manon,
Brigitte, Francielle, Simone e outras mais, todas muito charmosas, elegantes, femininas
e com nomes franceses.
Para a sorte dos marmanjos como ele, havia muitas outras garotas. Era só pagar e
pronto! Mas ele adorava a sinceridade daquelas meninas. Uma delas não poderia ser uma boa
companheira para ele? E, para melhorar ainda mais, soubera que Madame Jacqueline e
Monsieur Jean Pierre Vartan estavam aceitando mais mademoiselles, mais "francesinhas"para
sacudir o Le Mirage. Estaria tão errado ao querer alguém em sua vida? Era certo que seus
irmãos estavam errados! Não compreendiam como ele se sentia sozinho!
E assim ele passava muitas de suas noites no Le Mirage, a boate de Madame Jacqueline, que
surgira em sua vida como um oásis no deserto. Antes, ele nem pensaria em ira a um lugar
daqueles. Agora, descobrira até que tinha suas vantagens. Quantas vezes não gastara os tubos
levando uma garota de classe para jantar num restaurante francês, comprara o melhor
champanhe, pagara o melhor motel e depois do sexo nada vibrara dentro dele. Era apenas a
satisfação momentânea, um alívio imediato. E quantas joias já não comprara para que uma
garota não se sentisse tão humilhada por se deitar com ele, com aquele rosto deformado? Agora, com as garotas de programa, sabia o que
esperar e a conta era sempre bem menor do que antes! O que ele podia fazer se gostava
tanto de estar dentro de uma mulher?
- Cínico! - Dissera seu irmão Raphael naquela época ao ouvi-lo #cpontar das vantagens de se
frequentar uma boate. - Você se transformou num cínico sem coração!
Ricardo Sivelie compreendia a indignação do irmão caçula. Raphael sempre se sentiria
culpado por seu noivado ter ido por água abaixo, por sua vida ter ido parar onde parara.
Mas o que mais poderia ter feito? Ele adorava estar dentro de uma mulher e todas aquelas
que ele conhecia, não se sentiam à vontade em se deitar com ele depois que a maldita viga
incandescente lhe danificara o rosto!
E isso era tudo. Era certo que embora parecesse estar se divertindo com a situação,
na verdade, não estava. Sofria. Sofria calado por ter que ser rejeitado por ter-se
transformado num homem feio. Logicamente tentava fazer o jogo do contente, ver as coisas
boas da vida. Ainda era rico e um dia, talvez, resolvesse operar seu rosto. O médico
dissera que grande parte do dano já fora restaurado. Sua orelha, seu nariz, sua pálpebra,
seus lábios e assim por diante estavam no lugar. Faltava ainda a bochecha. Haviam lhe
dito que ele não ficaria perfeito como antes mas que melhoraria bastante. De qualquer
forma, jamais tornara a se olhar num espelho. Não queria saber. Bastava-lhe ver a
expressão no rosto de uma mulher para a qual ele olhasse. Era como receber uma sentença
de morte. Nunca mais voltaria a ser tão bonito como fora antes do incêndio. Então, já que
não podia ser o que era antes, para que tentar? Ia nutrir falsas esperanças para que? Além
do mais, nem ele era mais aquele Ricardo Sivelie de seis anos atrás. Mudara. Sua alma
mudara. Tornara-se triste, infeliz e taciturno. Cínico até.
Assim, como naquele dia, ele acostumara-se a ir para a pequena cabana que construíra
para ficar a sós consigo mesmo, sabendo que estava sentindo pena de si. Lá ele curtia a
solidão de sua alma e se afundava em auto compaixão. A depressão o deixava desanimado, e,
como não tinha ninguém olhando, podia chorar o quanto quisesse. Assim, passava ali uma
semana e seus irmãos o deixavam por lá até que sua alma estivesse lavada e ele pudesse
voltar para o convívio das pessoas a quem amava.
Entretanto, naquela manhã, quando mandara Bené levar seu Jeep acreditando que a F250
estava pronta para ele, descobrira que não tinha uma gota de diesel. E fora essa uma das
coisas que Bené fora comprar. Esperaria por ele, então.
Mas, contrariado como estava, ficou ansioso demais quando viu #seusirmãos Raphael e
Henrique e suas respectivas esposas e filhas entrarem pela porta da cozinha da fazenda.
Pelo jeito, iam passar o dia ali. E iam lhe questionar até o último fio de cabelo o por
que dele querer pagar para ter, dia e noite, uma garota em seu casa. E a eles se juntariam
seu irmão Zacharias, Marlene, Ditinha e o próprio Bené.
Apavorado, escondeu-se no celeiro. A última coisa que ia querer era ter que conversar
com seus irmãos sobre suas terríveis intenções, ser educado com suas cunhadas ou ter que ser
amável e carinhoso com suas sobrinhas. Era certo que as amava muito mas não queria ver,
ouvir ou falar com quem quer que fosse. Estava deprimido e, se alguém começasse a
conversar com ele temia desabar num choro que só acabaria quando ele morresse.
Mas agora, com aquela chuva pesada e aquela estrada onde o cascalho já descera
ribanceira abaixo e o barro que ficara fazia a velha caminhonete sambar de um lado ao
outro da estrada perigando rolar pelo abismo, ele se amaldiçoava sem parar. aquelas
assombrosas enxurradas iam lançar o velho carro de Bené lá para baixo e com ele dentro!
Por que não ficara mais um tempo no celeiro e esperara pelo diesel que Bené traria?
Mas não! Tivera que fugir de sua família como se fosse um criminoso de alta
periculosidade, para derrapar assustadoramente naquela caminhonete dos anos 20! Se é que ela
era tão nova!
E o mais chato era saber que aquela estrada pertencia única e exclusivamente a sua
fazenda. Nenhum outro carro passaria por ali, caso ele despencasse com a caminhonete
naquele abismo. Somente os peões de sua fazenda passavam por ali a procura de alguma rês
desgarrada e assim mesmo, não
passariam por ali tão cedo. Somente na semana seguinte. E, todos ficavam tranquilos quando
ele ia para a cabana pois ligava todas as noites para avisar que estava bem.
Pegou o celular do bolso para ver se estava com sinal. Não estava. Se rolasse pelo
barranco e ainda tivesse vida e forças para ligar, de nada adiantaria. Resolveu colocar o
aparelho no bolso de sua camisa. Se caísse com o carro, talvez tivesse uma chance maior
de ligar se o celular estivesse em seu bolso. Caso estivesse vivo, é claro. E ainda tinha um
outro agravante. A cabana não tinha luz elétrica. Embora houvesse carregado seu celular de
modo que pudesse fazer somente uma chamada noturna para avisar que estava bem, se molhasse
um pouquinho, não teria como entrar em contato com os irmãos. Mas seus irmãos só se
preocupariam se ele ficasse uns três dias sem dar notícias. Sabiam que ele tinha tudo o
que precisava quando lhe batia aquele desejo insano de reclusão. Na cabana ele tinha o essencial.
Lampiões, querosene, fósforos, lenha, e tudo o que fosse preciso para passar ali uma
semana inteira sem perturbações. Isso, se conseguisse chegar na cabana antes de cair no precipício.
Para piorar, alguns trechos da estrada já apresentava queda de barreiras. As coisas iam
ficar muito ruins se ele não chegasse logo lá em cima. Uma grande quantidade de pedras e
barro poderia enterrá-lo vivo! Seu único problema era conseguir chegar lá em cima com aquela
chuva, com aquelas curvas, e com aquele precipício que parecia estender as tenebrosas mãos para o seu
carro que estava caindo aos pedaços.
Irritado com as sucessão de curvas, com a lama escorregadia e com a chuva incessante,
Ricardo quase rolou ribanceira abaixo ao dar de cara, de repente, com a coisa mais inusitada na qual poderia pensar.
Se o mau tempo e as péssimas condições, tanto de seu carro como da estrada houvessem lhe
permitido estar dez quilômetros mais rápido, certamente teria se chocado com o veículo a
sua frente.
Um carro estava parado em seu caminho, o que fez com que tivesse que pisar rápido nos
freios para não bater em cheio, já que o automóvel só pode ser visto assim que ele virara
uma das acentuadíssimas curvas da estrada lamacenta.
- Porra! - Berrou e repetiu o xingamento enquanto saía do carro muito injuriado e se
aproximava do veículo que quase o fizera causar um acidente.
Entretanto, calou-se de repente. Aquilo era um conversível com a capota aberta em
pleno dilúvio? Que louco faria isso?
E sua curiosidade atentou para um outro detalhe.
Desde que podia se lembrar, Marlene, a filha mais velha de Ditinha e Bené, tomavam
conta dele e de seu irmão Raphael. Era certo que, naquela época, Marlene ainda era uma
menina e, como seus pais trabalhavam na fazenda, Ditinha como empregada da casa e Bené como o capataz, sua filha acabava ajudando a mãe nas tarefas domésticas, mesmo ainda não tendo
idade suficiente para tanta responsabilidade. Mas era assim que funcionavam as coisas na
roça e fora assim que ele se lembrava de um dos desenhos preferidos de Marlene que,
naquele tempo, deveria estar na puberdade, já que era seis ou sete anos mais velha que
ele. Era como se estivesse vendo a sua frente o carro da Penélope charmosa! Um conversível
cor de rosa, aberto, parado numa sinuosa curva de montanha, onde nenhum outro ser humano
além dele deveria estar!
- Eeeeeeebbbbbbaaaaaaa! Nem acredito! O meu salvador chegou! - Gritou uma mulher ao mesmo tempo
em que batia palminhas como uma garotinha feliz. - Eeeeeehhhhhhh
Quem não acreditava era ele! Aquilo era um show bizarro de algum circo? Ou em breve
alguém apareceria dizendo que era uma pegadinha? Quais as chances de se deparar com uma
cena daquelas numa estrada deserta e chuvosa no alto de uma serra onde não havia morador
algum?
Ricardo olhava espantado sem acreditar no que via, na direção daquela vozinha de
menininha. Era a mais
curiosa representação do sexo feminino na qual ele poderia um dia sequer ter imaginado!
Enfiada numa calça pink onde não caberia um fio a mais de cabelo entre o tecido e a
pele clara da mulher, de tão apertada que era a peça escandalosamente brilhante, a moça usava também um top branco, uma dúzia de
colares e um par de sandálias pink tão altas que ela tinha dificuldade de dar um passo já que
os saltos finos da mesma se afundavam no solo lamacento tornando cada passo um tremendo
esforço.
Como se não bastasse, ela tinha um guarda chuva pink, uma boca pink, unhas imensas e
pinks, uma bolsa imensa listrada de branco e pink! E duas dúzias de pulseiras e no mínimo,
dez anéis em cada um de seus dedos. Isso sem falar nos brincos imensos e nos cabelos...
Pink! Ou seriam vermelhos? Ou uma mistura de ambos? Cabelos pinks e vermelhos!?
"Deus!"
Seu espanto fora tanto que tivera de fazer um esforço para fechar a boca que teimava
em permanecer aberta. De onde foi que aquela Penélope Charmosa de cabelos vermelhos
surgira? E o que fazia ali no meio do nada perto de lugar nenhum? Seria um destaque de
escola de samba que se desviara do caminho? Nunca vira ninguém tão espalhafatoso como
aquela... Aquele... Aquilo!
Gay! Certamente era um travesti! Mas o que fazia naquela estrada que não ia a lugar
algum a não ser para a sua remota cabana?
"Céus!"
Ruiva! Boca carnuda! E olhos tão verdes quanto os dele! Não! Os dela eram mais
profundos, mais provocantes e claros! O verde dos olhos dela eram tão claros como um lago
banhado pelo sol numa manhã de primavera!
Linda! Lindíssima! Uma Barbie de busto cheio e pernas imensas e bem torneadas! O sonho
sensual de qualquer homem. Não uma garota para casar, era claro! Mas uma mulher que
prometia uma intensa noite de amor!
No mesmo instante, lembrou-se de seu rosto deformado, de seus olhos de um tom verde
tão escuro que quase haviam perdido a cor. A metade de seu rosto não havia sido perdida no
dia daquele incêndio onde todo o seu mundo maravilhoso ruíra junto com a casa dos
Salviati?
Gemeu intimamente. Se fosse alguns anos antes, talvez tivesse algo para oferecer
aquela deusa do sexo. Mas agora só tinha um rosto feio e deformado para mostrar.
Era certo que, com aquela aparência, deveria ter um patrocinador. Mulheres daquele
tipo, uma Pâmela Anderson tupiniquim, não era o tipo de mulher que ia à luta, que pensava
em vencer por seus próprios meios! Pensando bem, até que vencia por seus méritos! Aquele
corpo, o qual ela deveria oferecer aos homens não era um mérito mais que suficiente?
Irritou-se com seus próprios pensamentos. Estava julgando mal a garota. além disso,
ela nem era tão bonita assim. Bem... Para dizer a verdade, era mais sensual e atraente do
que propriamente bonita. Mas era, sem dúvida, uma mulher que levava os homens a terem
pensamentos libidinosos.
Ignorou a ereção que o gingado da ruiva lhe provocava. Era perda de tempo excitar-se
por uma mulher tão atraente e gostosa como aquela!
Como se não bastasse, os seios dela estavam visíveis embaixo do top branco e molhado.
Aquilo era uma provação? Deus já não o castigara demais deixando claro que ele não era
digno de se envolver com nenhuma mulher a não ser que pagasse.
- O que faz aqui, sua louca? Está pretendendo atirar alguém daqui de cima? - Falou
num tom de voz bem agressivo procurando mostrar que ela o aborrecia sobremaneira.
- Oh! Não! Claro que não! - Ela corou ao ouvir o tom áspero da voz dele. - Eu não
queria irritar ninguém. Me perdi na estrada. Há muitos anos que não venho aqui! E a
estrada subia... Subia... E eu vi que não era por aqui que tinha que vir. Mas não tinha
como voltar. Não havia largura suficiente para eu fazer uma manobra. Quase nem dá para
dois carros passarem por aqui! E o carro morreu. E começou a chover. Não consegui fechar a capota e... Oh! Oh!
Ricardo percebeu como a boquinha sensual fazia um "ozinho" todas as vezes que ela
falava qualquer coisa. E tinha um sotaque instigante, um tanto afrancesado! E ele queria bater em seu pênis pois o
mesmo queria saltar para fora e entrar naquela bomba sexual que se rebolava para lá e
para cá na frente dele com aquela calça pink tão apertada que parecia que sua roupa não
passava de uma pintura sobre a pele macia!
"Oh, céus! E eu só queria ficar um pouco sozinho para lamber as minhas feridas nesta
semana!"
Cowboys do Vale 3 - Quando as aparências enganam
Raul Bova |
de sua cidade. Era tão assediado que precisava fugir das mulheres. E, em apenas alguns
minutos, tudo virara de ponta a cabeça. Num maldito incêndio, uma viga caíra sobre ele e
lhe esmagara o rosto. Ficara tão monstruoso que sua noiva o abandonou dois dias antes do
casamento. Infeliz, só lhe restava a boate de Madame Vartan. As garotas de programa, as
quais eram conhecidas como mademoiselles do Le Mirage, não o
desprezavam por ter-se tornado um homem feio. Mas elas não estavam apenas interessadas no
pagamento que viria depois do grande sacrifício por se deitarem com ele?
Capitulo 1
cabeça ao sair de casa com aquele tempo pavoroso. Chovia à cântaros!
Bem... Na verdade, o tempo estava muito tranquilo quando pensara em partir para as montanhas
naquela manhã. O problema era o carro. Não! O problema foi querer, mais uma vez, ficar
sozinho consigo mesmo.
Quando saíra da fazenda, parecia que a chuva seria fraquinha. Não trovejava e nem
ventava forte. Mal começara a subir aquela estradinha perigosa das montanhas que o
levaria ao seu refúgio, tudo mudara. A chuva passara a ser pesada e o vento
arrancava as árvores do chão com raiz e tudo!
Aquela estrada tinha mais curvas que as mademoiselles da boate da madame Jacqueline Vartan!
Droga! Por que tinha que pensar naquela casa de pecados logo agora?
Nos últimos dias, vinha sendo invadido pelo desejo de contratar, por tempo
indeterminado, uma das meninas da madame. Já que não podia ser amado por ninguém,
alugaria uma mulher para ficar em sua casa por 24 horas diárias. Ele tinha mesmo chegado
a conversar com madame Jacqueline, a dona da boate quando lhe fez a proposta.
Tanto a madame quanto seu irmão Zacharias, tentaram mostrar a ele o quanto aquela ideia era
ridícula. Como sempre, o irmão ajuizado pensava com a cabeça e não com o sexo.
Já a madame achava que ele deveria pensar mais com o coração do que com as suas partes
sexuais.
Mas Ricardo não estava pensando com o sexo. Estava cansado de ficar sozinho. Por acaso
não ia a boate de Madame Jacqueline quase todas as noites e não pagava uma mademoiseles
para passar a noite inteira com ele?
- Está pensando em se casar com uma das meninas que trabalham na boate de Jacqueline? - Zacharias esbravejara.
- Não. Só estou pensando em alugar os serviços de uma... Mais ou menos como juntar os
trapinhos com uma delas... - Ricardo dissera um tanto
desalentado ao ver a reprovação no rosto do irmão.
- E onde está a diferença? - Zac ergueu momentaneamente a bengala que usava desde o
incêndio que o deixara com uma perna manca.
- Ora essa! Casamento é para a vida toda e... Eu estou pensando em pagar por uma...
Bem... Uma espécie de emprego por tempo indeterminado.
- As vezes penso que você não tem um pingo de juízo, meu irmão. É tão inteligente para
algumas coisas e tão burro quando se trata de sua vida pessoal...
- Mas já não pago por uma garota quase todos os dias?
Zacharias Sivelie abanava a cabeça como se estivesse abismado. Tinha vontade de dar
uma surra com sua bengala no irmão para ver se colocava um pouco de juízo naquela cabeça
ôca!
- E se essa ingênua donzela resolver lhe dar um filho?
- Tomarei cuidado para que isso não aconteça.
- Como?
- Usando camisinha, ué!
- Esquece-se de que você é um homem rico e que uma garota poderá usar de infinitos
meios para engravidar de você e depois lhe dar um belo pontapé na bunda e exigir uma
pensão que vai deixá-la longe das casas de prostituição para o resto da vida?
- E se ela gostar de mim?
- Quer morder meu dedo para ver se sai coca cola?
- Diz isso por que sou um deformado, um mutilado, um anormal? Antes, as garotas
faziam fila para se deitarem comigo.
- Disse tudo. Antes. Agora você conhece bem o que uma mulher pode fazer com um homem.
Sentiu na própria carne. Sabe como amar alguém pode ser um desastre. E quer cometer esse
erro mais uma vez?
- Não vou me apaixonar. Só não quero continuar a viver sozinho. Não suporto mais isso!
- Já comentou essa sua ideia maluca com alguém mais além de mim?
- Falei com Henrique e com Raphael.
- E o que eles disseram sobre você querer pagar por uma mulher por tempo integral?
- Mais ou menos, o mesmo que você. Disseram que eu devo estar
ficando maluco!
- Falou com mais alguém, não?
- Bem, falei com Jacqueline e com o Jean Pierre para saber se a ideia era possível.
- Oh, Deus! - Zac Sivelie ergueu as mãos aos céus. - Foi falar logo com eles? -
Embora, por alguns instantes os olhos de Zac Sivelie tivessem se atenuado um pouco
ao lembrar da dona da boate, voltou a ficar sério. Seu irmão, antes tão correto, depois do
acidente perdera completamente o juízo. Todos os dias aparecia com uma novidade impensável.
Para dizer a verdade, nunca ouvi falar em tal absurdo! De onde vai tirar tanto
dinheiro? Não seria mais fácil encontrar uma garota qualquer por aí e se casar de
verdade? Teria uma esposa, encheria essa casa de crianças e pararia de ficar ensimesmado
com um acidente que aconteceu há anos! Precisa pensar no futuro e parar de se ver como era
antes. Já era! Aquele tempo se foi! O acidente deve ter levado não só a metade de seu
rosto, mas também a metade do seu cérebro!
Naquele dia, irritado com a bronca do irmão mais velho, Ricardo Sivelie só queria
ir para a sua cabana e pensar em sua vida. Estava cansado daquela tristeza, daquela solidão
que enchia seus dias de dor e infelicidade. Já não suportava mais viver daquela forma e
não conseguia encontrar uma outra solução para acabar com aquelas noites tristes e vazias
que há seis anos faziam parte de sua vida.
Será que ninguém conseguia entender que ele não queria se prender a uma garota? E nem
que ela se prendesse a ele! Se arranjasse uma esposa, certamente ela se uniria a ele por
que era um homem rico. Logo o estaria traindo com qualquer um. Logo lhe jogaria na cara
que tinha repulsa em se deitar com ele. Já uma mulher a quem ele pagasse jamais o rejeitaria. Estaria
recebendo um bom dinheiro para fazer o que ele quisesse! Era uma coisa bastante prática. Um
contrato! Era como se estivesse dando um emprego a uma mulher. Era tão difícil que as
pessoas o compreendessem?
Estava imerso em seus pensamentos quando viu que o velho Bené teria que ir ao centro da cidade para fazer
algumas compras e viu que não podia deixar que ele fosse naquela velha caminhonete que
estava caindo aos pedaços, mais parecendo uma carroça. E aquilo parecia até
uma piada. A fazenda tinha vários tipos de quatro por quatro por que ele e os irmãos eram
fissurados por carros grandes. Com uma F250, uma Hilux, uma Land Rover e um Jeep, era
difícil que algum deles ficasse preso numa estrada ruim.
Tudo bem que Raphael levara a Land Rover quando voltara a viver com Letícia tão logo
Dorothea Salviati fora presa, mas ele e Zac ainda tinham os outros carros para subir a
parte da montanha que pertencia a sua família ou ir a qualquer outro lugar.
Por isso, ao ver que o tempo estava meio chuvoso naquela manhã, não permitira que o
velho Bené usasse aquele carro velho que ele tanto amava. Mesmo chovendo pouco,
sempre acumulava um pouquinho de lama e não queria ver o velho que considerava como um pai
caído numa daquelas valetas que acompanhavam a estrada de cascalho um tanto gasto. Ainda
se lembrava do que ocorrera com Joana, há quase um ano, bem na hora em que daria a luz e cujo carro quase
virara numa daquelas ribanceiras que seguiam o caminho. O problema era que, onde se
encontrava agora, não eram mais as valetas que acompanhavam a estrada esburacada e
lamacenta e sim os precipícios que seguiam normalmente uma estrada que subia as montanhas.
Assim, Bené, um tanto contrariado, fora à cidade com o Jeep enquanto ele fora até a
garagem para pegar a F250 para seguir até a sua cabana nas montanhas.
Depois de tantos esclarecimentos sobre o assassinato de seu pai e sobre o incêndio que
deixara seu rosto deformado, ele tinha uma necessidade gritante de ficar sozinho naquela cabana
que construíra para si no alto da montanha que fazia parte de sua propriedade. Tinha muito
em que pensar. Tinha muito pelo que lamentar. Ainda não conseguira esquecer o desgosto que
sentira ao ser abandonado por sua noiva há dois dias de seu casamento. E não gostava de
estar há tanto tempo sozinho. Ficar só era ruim demais!
Aquele incêndio, que acontecera há seis anos, mudara toda a sua vida.
Ia casar-se com Priscila, ia formar uma família, ia ser feliz.
Estava apaixonado e ela era a mulher mais linda que ele já pousara seus claros olhos.
Mas tudo dera errado. Ao ser atingido no rosto por aquela viga incandescente, ele perdera
toda a oportunidade de ser feliz algum dia.
"Monstro! Ela o chamara de monstro!"
Ricardo ficara em coma por cinco dias. Seu irmão Raphael, desesperado e com um imenso
sentimento de culpa, orara por ele a cada minuto assustando aos demais por causa do
desespero em que se atolara. E, Priscila, sua noiva, também orara com ele!
Já seu outro irmão Zacharias não chegara a ficar em coma, mas também não ficara muito
bem. Por pouco não perdera seu membro sexual e Ricardo chegara a pensar, por inúmeras
vezes, que Zac também perdera a capacidade de ereção, já que dificilmente se interessava
por uma mulher.
Alguns anos antes, ele, Raphael e Zacharias eram o terror naquele lugar. As mulheres
quase disputavam aos tapas pelo privilégio de se deitarem com algum deles. Eram ricos,
bonitos e carismáticos. E eram tantas as mulheres que os assediavam que Raphael preferira
largar mão de tudo aquilo e se casar com a muito jovem Letícia..
Ele também ficara um pouco cheio de tudo aquilo. O sexo era bom e ele gostava muito de
sentir o sexo de uma mulher sugando o seu, quente e úmido, mas, depois de tantas mulheres
se abrindo para recebê-lo, começara a ansiar por algo mais além do prazer de se derramar
dentro de uma grutinha qualquer.
Ele queria um pouco mais. Queria que a mulher que estivesse embaixo dele o desejasse
muito mais que a satisfação momentânea. Queria uma família. Queria ter filhos.
Evitava, ao máximo, comentar essas coisas com os irmãos. Não
queria que seus sentimentos e frustrações fossem confundidos com os
sentimentos femininos. Eram as mulheres que queriam ternura em suas relações. Eram elas que
ansiavam por viver um grande amor. Ele não pensava assim. Só não queria estar sozinho.
Queria a companhia de uma mulher para poder chamá-la de sua. Sua mulher, sua casa, sua
cama esquentada por ela!
Antes, quando era um homem normal e com um rosto perfeito, embora o jogo de gato e rato que sempre fazia ao ir para as noitadas
fosse interessante, ele quase não sentia aquela dúvida que acreditava passar na cabeça da
maioria dos homens quando iam à caça.
Ele, quando via alguma garota que o interessava, só pensava em como seduzi-la, e,
no tempo que demoraria para levá-la para a cama. Na verdade, sua maior preocupação
enquanto se desdobrava em atenção e simpatia, era para onde a levaria, sem nem mesmo se
preocupar com o quando e, menos ainda, com o por que.
E era muito difícil, quase impossível que uma garota o rejeitasse. Para falar a
verdade, só sentira essa dor na pele depois que aquela maldita viga lhe esmagara o rosto,
tornando-o parecido com um monstro.
Antes, sabia que era quase irresistível. E nunca se importara com isso pois o que mais
gostava era de estar dentro de uma mulher, não importando quem fosse e, por causa do belo
rosto com o qual a loteria genética o premiara, seu corpo musculoso devido ao duro
trabalho na fazenda, o qual seu pai os obrigava a fazer desde pequeno e a sua altura
excepcional de quase um metro e noventa. Além disso, era visto como um homem rico e,
muitas mulheres preferiam essa qualidade em detrimento de todas as outras.
A viga acabara com a beleza de seu rosto e sua baixa auto estima, somada ao fora que
levara de sua noiva dois dias antes do casamento, acabaram por torná-lo taciturno,
infeliz, com um tremendo complexo de inferioridade, com a sensação de sempre estar
sobrando e por aí afora.
Era certo que agora era até mais rico que antes e sabia que as mulheres ainda
continuavam a admirar essa qualidade excepcional, contudo, por mais de uma vez fora
rejeitado de cara ao paquerar uma garota e tão logo a menina se inteirara de sua conta
bancária, abria-lhe o mais caloroso dos sorrisos.
E, por mais de um ano, deixou que sua fortuna ditasse as regras dos relacionamentos
aos quais se lançava. Mas isso acabou se revelando muito frustrante. Percebia o asco com o
qual a mulher se abria para ele. E era difícil aceitar que uma mulher só o queria por seu
dinheiro.
Antes, podia até ser que assim fosse. Mas tinha outras qualidades, sabia que mesmo de
olho em sua carteira, uma mulher demonstrava prazer de estar em sua companhia, já que era
visto como um dos mais atraentes partidos de Vila Verde.
Se antes dispensara mulheres que se atiravam em cima dele, agora as coisas complicavam.
Por muitas vezes chegara a pensar que era castigo dos deuses por sua arrogância. Ele
escolhia suas presas e ia à caça, satisfeito por ter tantas coisas a seu favor.
Entretanto, sempre achara que era merecedor de todas aquelas dádivas. Ser rico, bonito,
saudável e bem sucedido em tudo o que tocasse era-lhe tão natural como abrir seus olhos
todas as manhãs e perceber que a vida era bela!
Em seu mundo de paqueras só classificava as mulheres em dois grupos. As fáceis e as
menos fáceis. As garotas que dormiam com ele no primeiro encontro e aquelas que se faziam
de difícil mas que depois de uma curta insistência, dormiam com ele no terceiro ou no
quarto encontro. E, de qualquer forma, tanto num caso quanto no outro, jamais ligava para
uma garota, jamais corria atrás delas. As mulheres iam até onde ele estava e, se por
acaso, saísse com uma delas mais de uma vez, era por que insistiam tanto que ele acabava
cedendo aos apelos da garota.
Mas, de certa forma, mesmo antes do acidente, sua vida fútil e promíscua já o incomodava bastante.
Seus amigos sempre falavam das mulheres numa conotação desagradável que só agora o
perturbava, que só agora podia compreender como eram injustos. Alguns deles nunca
ligavam para uma garota que se deitara com eles no primeiro encontro ou nunca insistiam
com uma mulher que bancava a difícil. Outros eram verdadeiros canalhas, já que sabiam que
noventa e nove por cento das mulheres gostavam de homens que não valia nada.
Ele mesmo não acabara oferecendo seu ombro para dúzias delas que lhes abria o coração
chorando por um homem que não lhes dava o menor valor? Então, depois que as acalmava,
depois que dizia que elas precisavam se valorizar, ter mais amor próprio, ser ela mesma,
ele acabava levando-a para a cama e fazendo-a se sentir a mais maravilhosa das mulheres.
Sabia que as mulheres gostavam daquilo. Até parecia que pediam para ser enganadas! Depois,
ele ia embora e nunca mais pensava naquela garota que lhe abrira o coração.
"Certamente estou pagando por tudo o que eu já fiz!"
Na época aquilo parecia não importar. Era apenas mais uma nuance da paquera, da
conquista. Se a mulher se sentia fragilizada, que homem conseguia resistir. Desde que a
mulher não fosse uma daquelas malas chorosas que adoravam se fazer de coitadinhas para
que o homem se deitasse com elas fosse por pena ou por já estar de saco cheio!
Mas isso também era uma das armas utilizadas pelas mulheres para levar um homem à
cama. Não conseguia ver as mulheres com as quais se deitara como vítimas, como a parte
fraca de um relacionamento onde um homem desalmado se aproveitava sem o menor respeito
pelos seus sentimentos.
Pobre do homem que se deixasse levar por tais sentimentos em relação a uma mulher.
Sabia, depois de sua noiva, que aquela aparência frágil, extremamente vulnerável era só
fachada, um embuste para atacar o desavisado sem dó e nem piedade.
Mas o que ele esperava? Que Priscila se casasse com ele e fosse infeliz para o resto da
vida por ter-se casado com uma aberração?
Afinal, se ele era rico, ela também era e não ia precisar dele para nada. Assim que
ela vira como o seu rosto ficara deformado, seu amor desaparecera, se fora junto com o
rosto belo que ele tinha antes daquele incêndio maldito!
Certa vez um amigo seu lhe dissera que ser homem era um presente dos deuses. Bastava
olhar tudo a sua volta para ver que os homens estavam por cima, que mandavam no mundo. A
maioria dos políticos eram homens, a maioria dos grandes empreendedores eram homens, quem
chefiava toda e qualquer denominação religiosa era homem, até Deus era homem! E, quando o
camarada via uma mulher bonita e interessante, bastava fingir-se de romântico, de
atencioso, de gentil, ligar para a garota e até mesmo, dependendo de seu interesse, mandar
flores e bombons. Depois que a levaram num motel, depois que deitaram e rolaram, era só
dizer que ligariam no dia seguinte e pronto. A garota ia até sonhar com ele. Ia achar que
encontrara o homem de sua vida, que o prazer que ele a fizera sentir deixava claro que
haviam sido feitos um para o outro. No dia seguinte, era só escolher outra da lista e assim
a vida ia seguindo seu rumo. Era certo que a mulher se sentiria magoada, rejeitada e
coisas do gênero, mas esse amigo jurava que a tal garota cairia outra vez no mesmo truque,
Talvez, até mais do que seria possível imaginar. E sempre acreditando que daquela vez
seria definitivo!
- Nunca vai se cansar dessa vida? Não quer ter um relacionamento sério? - Ricardo
perguntara sabendo que ele e a maioria dos homens agiam exatamente como seu amigo
estava colocando em palavras.
- Bem... - Seu amigo respondera. - Quando eu me cansar dessa vida, vou escolher uma
namorada. Mas nada dessas garotas oferecidas, que transam com a gente no primeiro dia que
nos conhece. A mulher que vai ser minha esposa
com cara de boa moça, ingênua, bobinha... Assim eu vou poder continuar comendo todas e a
minha mulherzinha vai estar em casa, feliz, cozinhando, cuidando da casa e de mim como se
eu fosse um rei. É claro que vou ser um bom marido e um bom pai! Ela jamais vai ter o que
reclamar de mim!
Ricardo erguera as sobrancelhas ao ouvir tal disparate.
- Ei... Você está noivo. Depois de ter pegado todas, resolveu sossegar.
- Mas vou ser um marido excelente.
- Sei... - O amigo sorriu malicioso. - Isso é o que todos dizem. Até o momento que
você encontra aquela ex amiga gostosona da faculdade que dava pra todo mundo e que agora,
quando beira os quarenta, está ainda mais gostosa e mais experiente.
Ricardo não tinha argumentos contra aquilo. Era certo que nunca traíra sua noiva desde
que assumira o compromisso, mas...
De qualquer forma, não importava mais. Priscila lhe dera o fora e ele ficara a ver
navios. Era um fazendeiro rico que perdera metade de seu rosto e que não suportava mais
ver a cara de nojo que uma mulher fazia quando ele aproximava seu rosto do dela para
beijá-la.
Então, há três anos que não se envolvia mais com aquelas garotas consideradas
decentes. Ia à boate da Francesa. Lá ele pegava a garota que lhe interessasse e pagava
por uma noite inteira de prazer.
Estava errado? Sua última conquista mais séria se deitava com ele apenas por que o
nome de Ricardo Sivelie era um excelente cartão de visitas. A mulher não o queria e nem
meso se interessava por ele. Queria apenas poder comprar o que lhe interessava e ser bem
atendida nos estabelecimentos comerciais. Que diferença tinha ela das mademoiselles da boate
da Madame Jacqueline Vartan com as quais ele preferia se deitar agora? Ao menos sabia as regras
daquele jogo. Ele pagava e tinha sua satisfação garantida e, quando a garota não estava
interessada e fazer todas as posições que eram de seu interesse, isso já ficava
esclarecido na hora em que a escolhia para aquela noite. Era querido e aceito por Manon,
Brigitte, Francielle, Simone e outras mais, todas muito charmosas, elegantes, femininas
e com nomes franceses.
Para a sorte dos marmanjos como ele, havia muitas outras garotas. Era só pagar e
pronto! Mas ele adorava a sinceridade daquelas meninas. Uma delas não poderia ser uma boa
companheira para ele? E, para melhorar ainda mais, soubera que Madame Jacqueline e
Monsieur Jean Pierre Vartan estavam aceitando mais mademoiselles, mais "francesinhas"para
sacudir o Le Mirage. Estaria tão errado ao querer alguém em sua vida? Era certo que seus
irmãos estavam errados! Não compreendiam como ele se sentia sozinho!
E assim ele passava muitas de suas noites no Le Mirage, a boate de Madame Jacqueline, que
surgira em sua vida como um oásis no deserto. Antes, ele nem pensaria em ira a um lugar
daqueles. Agora, descobrira até que tinha suas vantagens. Quantas vezes não gastara os tubos
levando uma garota de classe para jantar num restaurante francês, comprara o melhor
champanhe, pagara o melhor motel e depois do sexo nada vibrara dentro dele. Era apenas a
satisfação momentânea, um alívio imediato. E quantas joias já não comprara para que uma
garota não se sentisse tão humilhada por se deitar com ele, com aquele rosto deformado? Agora, com as garotas de programa, sabia o que
esperar e a conta era sempre bem menor do que antes! O que ele podia fazer se gostava
tanto de estar dentro de uma mulher?
- Cínico! - Dissera seu irmão Raphael naquela época ao ouvi-lo #cpontar das vantagens de se
frequentar uma boate. - Você se transformou num cínico sem coração!
Ricardo Sivelie compreendia a indignação do irmão caçula. Raphael sempre se sentiria
culpado por seu noivado ter ido por água abaixo, por sua vida ter ido parar onde parara.
Mas o que mais poderia ter feito? Ele adorava estar dentro de uma mulher e todas aquelas
que ele conhecia, não se sentiam à vontade em se deitar com ele depois que a maldita viga
incandescente lhe danificara o rosto!
E isso era tudo. Era certo que embora parecesse estar se divertindo com a situação,
na verdade, não estava. Sofria. Sofria calado por ter que ser rejeitado por ter-se
transformado num homem feio. Logicamente tentava fazer o jogo do contente, ver as coisas
boas da vida. Ainda era rico e um dia, talvez, resolvesse operar seu rosto. O médico
dissera que grande parte do dano já fora restaurado. Sua orelha, seu nariz, sua pálpebra,
seus lábios e assim por diante estavam no lugar. Faltava ainda a bochecha. Haviam lhe
dito que ele não ficaria perfeito como antes mas que melhoraria bastante. De qualquer
forma, jamais tornara a se olhar num espelho. Não queria saber. Bastava-lhe ver a
expressão no rosto de uma mulher para a qual ele olhasse. Era como receber uma sentença
de morte. Nunca mais voltaria a ser tão bonito como fora antes do incêndio. Então, já que
não podia ser o que era antes, para que tentar? Ia nutrir falsas esperanças para que? Além
do mais, nem ele era mais aquele Ricardo Sivelie de seis anos atrás. Mudara. Sua alma
mudara. Tornara-se triste, infeliz e taciturno. Cínico até.
Assim, como naquele dia, ele acostumara-se a ir para a pequena cabana que construíra
para ficar a sós consigo mesmo, sabendo que estava sentindo pena de si. Lá ele curtia a
solidão de sua alma e se afundava em auto compaixão. A depressão o deixava desanimado, e,
como não tinha ninguém olhando, podia chorar o quanto quisesse. Assim, passava ali uma
semana e seus irmãos o deixavam por lá até que sua alma estivesse lavada e ele pudesse
voltar para o convívio das pessoas a quem amava.
Entretanto, naquela manhã, quando mandara Bené levar seu Jeep acreditando que a F250
estava pronta para ele, descobrira que não tinha uma gota de diesel. E fora essa uma das
coisas que Bené fora comprar. Esperaria por ele, então.
Mas, contrariado como estava, ficou ansioso demais quando viu #seusirmãos Raphael e
Henrique e suas respectivas esposas e filhas entrarem pela porta da cozinha da fazenda.
Pelo jeito, iam passar o dia ali. E iam lhe questionar até o último fio de cabelo o por
que dele querer pagar para ter, dia e noite, uma garota em seu casa. E a eles se juntariam
seu irmão Zacharias, Marlene, Ditinha e o próprio Bené.
Apavorado, escondeu-se no celeiro. A última coisa que ia querer era ter que conversar
com seus irmãos sobre suas terríveis intenções, ser educado com suas cunhadas ou ter que ser
amável e carinhoso com suas sobrinhas. Era certo que as amava muito mas não queria ver,
ouvir ou falar com quem quer que fosse. Estava deprimido e, se alguém começasse a
conversar com ele temia desabar num choro que só acabaria quando ele morresse.
Mas agora, com aquela chuva pesada e aquela estrada onde o cascalho já descera
ribanceira abaixo e o barro que ficara fazia a velha caminhonete sambar de um lado ao
outro da estrada perigando rolar pelo abismo, ele se amaldiçoava sem parar. aquelas
assombrosas enxurradas iam lançar o velho carro de Bené lá para baixo e com ele dentro!
Por que não ficara mais um tempo no celeiro e esperara pelo diesel que Bené traria?
Mas não! Tivera que fugir de sua família como se fosse um criminoso de alta
periculosidade, para derrapar assustadoramente naquela caminhonete dos anos 20! Se é que ela
era tão nova!
E o mais chato era saber que aquela estrada pertencia única e exclusivamente a sua
fazenda. Nenhum outro carro passaria por ali, caso ele despencasse com a caminhonete
naquele abismo. Somente os peões de sua fazenda passavam por ali a procura de alguma rês
desgarrada e assim mesmo, não
passariam por ali tão cedo. Somente na semana seguinte. E, todos ficavam tranquilos quando
ele ia para a cabana pois ligava todas as noites para avisar que estava bem.
Pegou o celular do bolso para ver se estava com sinal. Não estava. Se rolasse pelo
barranco e ainda tivesse vida e forças para ligar, de nada adiantaria. Resolveu colocar o
aparelho no bolso de sua camisa. Se caísse com o carro, talvez tivesse uma chance maior
de ligar se o celular estivesse em seu bolso. Caso estivesse vivo, é claro. E ainda tinha um
outro agravante. A cabana não tinha luz elétrica. Embora houvesse carregado seu celular de
modo que pudesse fazer somente uma chamada noturna para avisar que estava bem, se molhasse
um pouquinho, não teria como entrar em contato com os irmãos. Mas seus irmãos só se
preocupariam se ele ficasse uns três dias sem dar notícias. Sabiam que ele tinha tudo o
que precisava quando lhe batia aquele desejo insano de reclusão. Na cabana ele tinha o essencial.
Lampiões, querosene, fósforos, lenha, e tudo o que fosse preciso para passar ali uma
semana inteira sem perturbações. Isso, se conseguisse chegar na cabana antes de cair no precipício.
Para piorar, alguns trechos da estrada já apresentava queda de barreiras. As coisas iam
ficar muito ruins se ele não chegasse logo lá em cima. Uma grande quantidade de pedras e
barro poderia enterrá-lo vivo! Seu único problema era conseguir chegar lá em cima com aquela
chuva, com aquelas curvas, e com aquele precipício que parecia estender as tenebrosas mãos para o seu
carro que estava caindo aos pedaços.
Irritado com as sucessão de curvas, com a lama escorregadia e com a chuva incessante,
Ricardo quase rolou ribanceira abaixo ao dar de cara, de repente, com a coisa mais inusitada na qual poderia pensar.
Se o mau tempo e as péssimas condições, tanto de seu carro como da estrada houvessem lhe
permitido estar dez quilômetros mais rápido, certamente teria se chocado com o veículo a
sua frente.
Um carro estava parado em seu caminho, o que fez com que tivesse que pisar rápido nos
freios para não bater em cheio, já que o automóvel só pode ser visto assim que ele virara
uma das acentuadíssimas curvas da estrada lamacenta.
- Porra! - Berrou e repetiu o xingamento enquanto saía do carro muito injuriado e se
aproximava do veículo que quase o fizera causar um acidente.
Entretanto, calou-se de repente. Aquilo era um conversível com a capota aberta em
pleno dilúvio? Que louco faria isso?
E sua curiosidade atentou para um outro detalhe.
Desde que podia se lembrar, Marlene, a filha mais velha de Ditinha e Bené, tomavam
conta dele e de seu irmão Raphael. Era certo que, naquela época, Marlene ainda era uma
menina e, como seus pais trabalhavam na fazenda, Ditinha como empregada da casa e Bené como o capataz, sua filha acabava ajudando a mãe nas tarefas domésticas, mesmo ainda não tendo
idade suficiente para tanta responsabilidade. Mas era assim que funcionavam as coisas na
roça e fora assim que ele se lembrava de um dos desenhos preferidos de Marlene que,
naquele tempo, deveria estar na puberdade, já que era seis ou sete anos mais velha que
ele. Era como se estivesse vendo a sua frente o carro da Penélope charmosa! Um conversível
cor de rosa, aberto, parado numa sinuosa curva de montanha, onde nenhum outro ser humano
além dele deveria estar!
- Eeeeeeebbbbbbaaaaaaa! Nem acredito! O meu salvador chegou! - Gritou uma mulher ao mesmo tempo
em que batia palminhas como uma garotinha feliz. - Eeeeeehhhhhhh
Quem não acreditava era ele! Aquilo era um show bizarro de algum circo? Ou em breve
alguém apareceria dizendo que era uma pegadinha? Quais as chances de se deparar com uma
cena daquelas numa estrada deserta e chuvosa no alto de uma serra onde não havia morador
algum?
Ricardo olhava espantado sem acreditar no que via, na direção daquela vozinha de
menininha. Era a mais
curiosa representação do sexo feminino na qual ele poderia um dia sequer ter imaginado!
Enfiada numa calça pink onde não caberia um fio a mais de cabelo entre o tecido e a
pele clara da mulher, de tão apertada que era a peça escandalosamente brilhante, a moça usava também um top branco, uma dúzia de
colares e um par de sandálias pink tão altas que ela tinha dificuldade de dar um passo já que
os saltos finos da mesma se afundavam no solo lamacento tornando cada passo um tremendo
esforço.
Como se não bastasse, ela tinha um guarda chuva pink, uma boca pink, unhas imensas e
pinks, uma bolsa imensa listrada de branco e pink! E duas dúzias de pulseiras e no mínimo,
dez anéis em cada um de seus dedos. Isso sem falar nos brincos imensos e nos cabelos...
Pink! Ou seriam vermelhos? Ou uma mistura de ambos? Cabelos pinks e vermelhos!?
"Deus!"
Seu espanto fora tanto que tivera de fazer um esforço para fechar a boca que teimava
em permanecer aberta. De onde foi que aquela Penélope Charmosa de cabelos vermelhos
surgira? E o que fazia ali no meio do nada perto de lugar nenhum? Seria um destaque de
escola de samba que se desviara do caminho? Nunca vira ninguém tão espalhafatoso como
aquela... Aquele... Aquilo!
Gay! Certamente era um travesti! Mas o que fazia naquela estrada que não ia a lugar
algum a não ser para a sua remota cabana?
"Céus!"
Ruiva! Boca carnuda! E olhos tão verdes quanto os dele! Não! Os dela eram mais
profundos, mais provocantes e claros! O verde dos olhos dela eram tão claros como um lago
banhado pelo sol numa manhã de primavera!
Linda! Lindíssima! Uma Barbie de busto cheio e pernas imensas e bem torneadas! O sonho
sensual de qualquer homem. Não uma garota para casar, era claro! Mas uma mulher que
prometia uma intensa noite de amor!
No mesmo instante, lembrou-se de seu rosto deformado, de seus olhos de um tom verde
tão escuro que quase haviam perdido a cor. A metade de seu rosto não havia sido perdida no
dia daquele incêndio onde todo o seu mundo maravilhoso ruíra junto com a casa dos
Salviati?
Gemeu intimamente. Se fosse alguns anos antes, talvez tivesse algo para oferecer
aquela deusa do sexo. Mas agora só tinha um rosto feio e deformado para mostrar.
Era certo que, com aquela aparência, deveria ter um patrocinador. Mulheres daquele
tipo, uma Pâmela Anderson tupiniquim, não era o tipo de mulher que ia à luta, que pensava
em vencer por seus próprios meios! Pensando bem, até que vencia por seus méritos! Aquele
corpo, o qual ela deveria oferecer aos homens não era um mérito mais que suficiente?
Irritou-se com seus próprios pensamentos. Estava julgando mal a garota. além disso,
ela nem era tão bonita assim. Bem... Para dizer a verdade, era mais sensual e atraente do
que propriamente bonita. Mas era, sem dúvida, uma mulher que levava os homens a terem
pensamentos libidinosos.
Ignorou a ereção que o gingado da ruiva lhe provocava. Era perda de tempo excitar-se
por uma mulher tão atraente e gostosa como aquela!
Como se não bastasse, os seios dela estavam visíveis embaixo do top branco e molhado.
Aquilo era uma provação? Deus já não o castigara demais deixando claro que ele não era
digno de se envolver com nenhuma mulher a não ser que pagasse.
- O que faz aqui, sua louca? Está pretendendo atirar alguém daqui de cima? - Falou
num tom de voz bem agressivo procurando mostrar que ela o aborrecia sobremaneira.
- Oh! Não! Claro que não! - Ela corou ao ouvir o tom áspero da voz dele. - Eu não
queria irritar ninguém. Me perdi na estrada. Há muitos anos que não venho aqui! E a
estrada subia... Subia... E eu vi que não era por aqui que tinha que vir. Mas não tinha
como voltar. Não havia largura suficiente para eu fazer uma manobra. Quase nem dá para
dois carros passarem por aqui! E o carro morreu. E começou a chover. Não consegui fechar a capota e... Oh! Oh!
Ricardo percebeu como a boquinha sensual fazia um "ozinho" todas as vezes que ela
falava qualquer coisa. E tinha um sotaque instigante, um tanto afrancesado! E ele queria bater em seu pênis pois o
mesmo queria saltar para fora e entrar naquela bomba sexual que se rebolava para lá e
para cá na frente dele com aquela calça pink tão apertada que parecia que sua roupa não
passava de uma pintura sobre a pele macia!
"Oh, céus! E eu só queria ficar um pouco sozinho para lamber as minhas feridas nesta
semana!"
Cowboys do Vale 3 - Quando as aparências enganam
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