Resumo: Ela sempre tivera um imenso sentimento de culpa. Também era cheia de preconceitos
e dava muito valor ao que podiam falar sobre ela. Então se apaixonou e acabou
engravidando. E foi escorraçada grávida pelo homem a quem amava. Assim, casou-se com o
primeiro que lhe apareceu para esconder sua vergonha. Mas não conseguia esquecer o seu
único amor. E, quando acreditava que teria o filho do homem a quem amava, perdeu-o no
mesmo dia em que ele nascera. O que mais lhe restava na vida além de achar que merecia
tudo o que lhe acontecia de ruim? Afinal, ela sempre se sentia em dívida com todo mundo!
capitulo 1
A parteira Angel não sabia explicar por que sua mente fora visitar o passado. Há
muito tempo que não pensava no que ocorrera, seis anos antes, quando fora chamada para
fazer o parto de Mayara Moreira, por acaso, uma de suas melhores amigas.
Naquele dia, a parteira Angel não soubera explicar para uma mãe chorosa o
que tinha acontecido com o seu bebê. Olhava para sua amiga Mayara e não encontrava
palavras para explicar o que acontecera. Jamais perdera um bebê. E todos aqueles a quem
conhecia podiam afirmar isso com toda a certeza. Até mesmo os partos mais difíceis, em
suas mãos, tornavam-se tranquilos. Os bebês nasciam saudáveis pois ela fazia questão de
acompanhar a gestante desde o momento em que a futura mamãe a procurava.
E tudo parecia bem com Mayara e com a criança.
Algumas horas antes a parteira Angel trouxera seu filhinho ao mundo. O parto fora tranquilo e rápido, houvera dilatação
suficiente, as dores estavam dentro dos padrões e em duas horas um meninão de três quilos
e setecentos gramas, com cinquenta e cinco centímetros berrava forte como um bezerrinho
já que nascera sem o menor problema!
- Um garotão saudável! - Dissera Angel para a ansiosa mamãe.
- Tem todos os dedinhos?
- Tem sim...
- O piluluco está aí?
- Está sim.
- Não tem nenhum problema com ele? Está tudo certo, né?
- Tudo está no lugar. Tudo certinho!
O lindo bebê nascera com os olhinhos azuis como o céu de primavera, com uma penugem dourada cobrindo-lhe
a cabecinha e reclamando por atenção, calor e comida. Angel olhara para sua amiga. Mayara
era bem morena, quase mulata ou aquilo que se chamava de morena jambo. Laerte também era
bem moreno, com cabelos e olhos escuros. Deus de ombros. Certamente a criança ficaria
morena mais tarde! Exatamente como seus pais!
Um celular tocara na sala ao lado e um papai sorridente colocara o rosto para dentro
do quarto.
- Angel... - O homem dissera. - Seu celular está tocando.
- Atenda para mim, Laerte, por favor, sim.
Logo depois Laerte voltava a por o rosto no aposento.
- É Guilherme. Está dizendo que o bebê de Marielle está nascendo.
- Oh, Deus! Dissera Angel preocupada. - Por que os bebês resolvem nascer na mesma
hora? E nem sei por que o Guilherme está me chamando. A mulher dele não quis que eu a
acompanhasse durante a gestação. Disse que não confiava numa curandeira da roça e foi
fazer o pré natal em São José dos Campos, numa daquelas clínicas chiques!
- Às vezes não deu tempo de ir para lá. - Laerte falou sem muito interesse no filho
alheio.
- Mas aí tem o hospital daqui, né? Ela é fissurada em parafernálias médicas. Por que
ligaria para eu trazer seu bebê ao mundo? Passou fora esses últimos meses para não sofrer
nenhuma surpresa. Por que estão me ligando agora?
Laerte deu de ombros Não estava interessado nos problemas dos outros.
- Tudo bem... - Angel se deu por vencida. - Diga que eu já estou indo para lá. Só
espero que ela não me trate com aquela antipatia que lhe é tão característica! De
qualquer forma, acho que já acabei por aqui.
Quando saíra da casa da amiga, deixara um casal feliz com seu filhinho. Viu Mayara
amamentando a criança e sorriu satisfeita. Ali, tudo estava bem. Passaria mais tarde para
ver como estavam passando, como sempre fazia com as mamães que acompanhava. Agora
acompanharia o período do resguardo, ensinaria a jovem mamãe a amamentar o bebê, a se
preparar para aquela fase onde todas diziam que o leite não estava alimentando a criança
pois mal acabava de mamar e já estava chorando.
Então explicaria que, fora o fato do bebê ter algum tipo de alergia ao leite, era
assim mesmo que as coisas se encaminhariam. O bebê vinha ao peito para mamar, mas acabava
dormindo. E não havia mamado ainda o suficiente. Então, quando iam colocá-lo no berço,
era aquele "Deus nos acuda"! Não era preciso complementar as mamadas
com uma mamadeira. Era preciso apenas ter paciência e dar de mamar na hora que o bebê assim
o desejasse.
E, quando o peito rachasse, também era normal. Doía o diabo, conforme algumas mamãe
diziam, mas passava. Era como se o bico dos seios estivessem calejando. Coisas normais da
natureza!
Tinha também alguns outros cuidados que ela gostava de tomar ou informar as suas
jovens mamães. Sabia que uma grande quantidade de mulheres se sentiam frias com seus
marido depois do parto e muitas delas tinham dificuldades para se sentirem outra vez
desejadas ou até mesmo para desejarem fazer sexo outra vez.
Angel gostava de tudo isso. Assim, sempre voltava para ver suas mamãezinhas felizes
com seus pimpolhos!
Mas ao retornar a casa de Mayara, na manhã seguinte, o que viu a deixara estarrecida. O bebê estava
morto!
- Morto? Como? Era um bebê saudável! Não tinha problema algum!
Foi com pavor que a parteira Angel viu o garotinho enroladinho num cobertorzinho,
com a pele escurecida, gelado. Ficara transtornada. Nunca perdera um bebê antes. Nem mesmo
conseguia colocar sua cabeça no lugar e agir com a frieza necessária que o momento pedia.
O pai do menino parecia desconsolado. Seria ela quem deveria manter a sanidade ali. Tinha
que afastar da mente os seus sentimentos de amizade que tinha com Mayara para poder agir
com objetividade. Mas como isso era possível? Estava apavorada, aturdida, emocionada, sem
o total controle da situação. Não acreditava que aquilo era possível. Era uma tragédia sem
proporções para Angel e para um jovem casal de pais que haviam esperado ansiosamente por
aquele bebê.
- E como ela está? - Perguntara ao desolado pai. - Angel mal conseguia olhar para o
bebê enroladinho no cobertor. Todas as vezes que seu olhar ia na direção da criança, ela
se forçava a desviar o olhar. Não queria ver o resultado de seu fracasso. No entanto, algo
diferente ali lhe obrigava a ter um pouco mais de atenção. Mas, no calor dos
acontecimentos, com a tristeza que tomava lugar naquela casa, ela não ousava a se
questionar no que havia de errado. Seria absurdo dar ouvidos a sua intuição naquele
instante de dor. Mais tarde pensaria no assunto com mais tranquilidade. Agora não era
possível. E, por mais que o desejasse, Angel não conseguiria!
- Ainda não lhe contei. Esperei que você chegasse. Não tenho coragem de dizer algo
assim para minha esposa. Sabe o quanto ela queria essa criança!
Angel sabia. Olhou para o pai que tinha os olhos vermelhos e inchados e aceitou a
infeliz incumbência de dar a terrível notícia para sua amiga.
- Onde está meu bebê. Há horas que estou pedindo a Laerte que me traga a criança mas
ele parece que desapareceu. Não me ouve, não me atende. O bebê deve estar faminto pois
meu peito está rachando de tanto leite! E desde ontem que ele não mama!
Angel olhou penalizada para amiga.
- O que foi? O que houve? - Mayara estava ficando alarmada. - Você está me assustando!
O que aconteceu com meu bebê? Oh, Deus! Não faça isso comigo! Não faça não, Deus! Onde
está meu bebezinho?
- Não sei dizer o que aconteceu, Mayara. Tudo parecia bem.
- Mas onde ele está? Quero ver o meu bebê! Está doente? Está com algum problema?
- Não, amiga, eu...
- Não me chame de amiga! eu quero saber do bebê! dormi demais e ele ficou com fome,
não é? É só isso, não é? Diga que ele está bem, que só está com fome! Diga que eu dormi
demais e perdi a hora da mamada e Laerte não quis me acordar!
- Não, Mayara. Ele não está com fome. Não mais!
- O que você quer dizer com isso?
- O bebê se foi, Mayara. Não sei como, mas ele está morto!
O grito de Mayara era sobre humano. O choro compulsivo que se seguiu depois era de
cortar o coração. Junto com ela, abraçado a esposa, Laerte também chorava. Era tudo muito
triste. A dor estampada no semblante de Mayara era impossível de ser descrita.
- É mentira, não é? Tudo isso é mentira, não é? - Mayara se negava a acreditar na
crueldade do destino, na peça que lhe era pregada. - Mentira! Deixe de ser mentirosa! Meu bebê está bem! Quis ter o bebê com você por que nunca
perdeu nenhum bebê. Todos os seus bebês nascem bem. Como teve coragem de fazer isso
comigo? Logo comigo que sou sua amiga! Você é mística! Todo mundo diz que você
faz milagres! Traga meu bebê de volta!
E assim foi aquele dia do qual Angel nem gostava de se lembrar. Por causa da pressa em
atender Marielle, deixara passar alguma coisa da qual jamais se lembrara. E, quando
chegara na casa de Guilherme Lobo para fazer o parto de Marielle, a moça fizera questão
de lhe mostrar, entre uma contração e outra, todos os exames que fizera durante o pré
natal e de que o ultrassom lhe dera fotos de que teria um menino.
A única coisa que Angel estranhara bastante fora a tristeza da moça. Parecia estar
sendo condenada à cadeira elétrica! E não entendia por que ela lhe mostrava todos os
exames se parecia tão infeliz ao dar à luz!
O comportamento da esposa de Guilherme Lobo estava tão atípico que ela até se esqueceu
que detestava a tal Marielle e a achou até simpática, apesar da imensa tristeza em seu
olhar. Nem mesmo quando lhe colocou o bebê nos braços para mamar, a mulher pareceu
alegrar-se. Não estava contente por trazer um bebê ao mundo? Era estranho pois todos
comentavam na cidade que Marielle tentara todos os tratamentos possíveis para engravidar
pois desejara muito dar um filho ao marido.
Mesmo assim, Angel agradeceu aos céus por tudo ter corrido bem. Marielle tivera um menino lindo,
forte, saudável, tão perfeito quanto o bebê que Mayara tivera poucas horas antes.
Ao mesmo tempo em que as recordações de Angel a levaram para passear pelo passado,
Mayara Moreira também trilhava o mesmo caminho. Mas isso ela fazia todos os dias. Ainda
podia se lembrar da imensa felicidade que tomara conta do seu ser quando Angel lhe
colocara o filho nos braços.
Seu bebê a olhara com aqueles olhos azuis, idênticos aos do pai, embora o pai de seu
menino tivesse olhos cinzentos e parecia que ele
a reconhecera, que sabia o quanto ela amava o homem que lhe plantara aquela semente.
Podia jurar que havia entre eles, um elo invisível, inquebrável, indestrutível. Ainda
hoje era capaz de ouvir seu filho chamando por ela, perguntando por que ela o abandonara.
Nesses momentos Mayara chorava de angústia, escondida do marido Laerte, que não
gostava que ela se entregasse à depressão. Ele sempre lhe dizia que não queria vê-la
triste.
Então se sentia culpada. Dormira demais e o bebê morrera. Ninguém soubera dizer
especificamente do que o bebê tinha morrido.
- De morte súbita! - Disseram-lhe os médicos.
- Mas como? O que é isso? - Laerte perguntara.
- Bem... No geral, um recém-nascido, dorme até 16 horas por dia. Para que o bebê não
corra risco de vida ao dormir, ele precisa ser colocado numa posição segura já que
nos primeiros meses de vida eles permanecerão na posição em que foram deixados durante o sono,
pois ainda tão novinhos, não saberiam se virar. Não é aconselhável que o bebê durma de
bruços e nem agasalhá-lo excessivamente com cobertores pesados ou coisa assim.
Que lhe importava tudo isso agora? Nem fora ela que colocara o bebê no berço. Dormira
mais de doze horas depois que amamentara seu bebê pela primeira vez e não o vira mais com
vida. Nem se lembrava de quem tirara o bebê de seu colo. Jurara que fora Laerte, seu
marido. Então culpara-o por ter colocado o bebê para dormir de maneira errada. Mas ele
jurara que dera uma saidinha para ver como iam as coisas na lanchonete que pertencia a
eles. Voltara duas horas depois, mas o bebê já estava morto.
Alguém entrara em sua casa? alguém tirara o bebê dos seus braços e o colocara de
bruços no berço para que ele morresse?
Não podia culpar ao Laerte. Era certo que a maioria das pessoas não gostavam dele mas
ele era muito amável com ela. Certamente dava uns berros de vez em quando mas nunca
berrava com ela. Tratava-a como se ela fosse a rainha Cleópatra, a deusa mãe.
Mas era normal que ele se descontrolasse com outras pessoas com muita facilidade. E os
seus berros, nesses momentos, atravessavam Vila Verde como uma forte trovoada.
O problema de Laerte era que a amava demais e era ciumento em excesso e terrivelmente
possessivo. No mais, tudo ia bem desde que ela não tivesse amigas, não conversasse com sua
irmã Beatriz e nem com Madame Jacqueline Vartan, a mulher que cuidara delas quando a mãe
morrera após ser espancada pelo marido.
No entanto, Mayara tomava conta da lanchonete para que Laerte, um homem muito esforçado,
cuidasse de um outro estabelecimento noutra ponta da cidade. Assim, era fácil as coisas
se desintegrarem quando Laerte vinha até o lugar onde Mayara tomava conta e a encontrava
de conversa com algumas daquelas pessoas das quais ele não queria que ela chegasse perto. A possessividade dele
explodia como o combustível de um foguete da Nasa! Laerte soltava fogo pelas ventas e
queria esfolar, matar, esquartejar um daqueles seus desafetos. Nessa lista entravam
qualquer um dos Sivelie, sendo que ao mais velho do clã nem era permitida a entrada
naquela lanchonete.
Assim, algumas pessoas acabavam detestando seu marido, achando até que ele lhe encestava a cara quando as portas da
lanchonete eram baixadas, tal era o ciúme furioso que Laerte Medeiros não fazia a menor
questão de esconder.
Puro engano. ao fecharem as portas, Laerte era de uma candura que deixava a mostra toda
aquela aparência sexy e morena que ele tinha e que ela sabia, fazia muitas mulheres
virarem suas cabeças para admirar aquele rapaz alto, de cabelos e olhos escuros, com um
cavanhaque que lhe dava uma aparência de mal e um corpo musculoso e perfeito que faria
muitos modelos masculinos morrerem de inveja!
Era uma pena que volta e meia se mostrasse tão grosso com as outras pessoas! O que tinha de belo tinha também na mesma medida, de mal
educado!. Mas quando o ciúme lhe subia à cabeça, Laerte ficava cego e surdo! Por sorte,
jamais, em tempo algum, se voltara contra ela!
E a lanchonete que Mayara administrava era o estabelecimento que mais enchia. Fosse por que estava em frente ao que apelidavam
de rodoviária, onde as pessoas esperavam tranquilamente por seus ônibus que as levariam
para fora de Vila Verde, fosse por que estava quase ao lado daquela obra sem sentido que custara um
absurdo aos cofres públicos e que o prefeito fazia questão de chamar de hospital de
primeiro mundo, e que acabava por levar as pessoas a irem até a lanchonete para se
alimentarem já que o magnífico hospital não contava com uma cantina, o fato era que a
lanchonete da Mayara botava gente pelo ladrão! O dia inteiro, o tempo todo. E ainda
contava com a preferência das fofoqueiras do ANOVIVER e de suas adeptas.
Mas não era somente por ela estar ali. À noite, quando Laerte transformava o lugar num
local de dança ao qual chamavam de Varandão, muitos iam até lá para ouvir e dançar ao som
dos seresteiros! Durante um bom tempo ele até pensara em transformar o lugar num
restaurante. Mas Mayara dissera que seria muito trabalho para ela e ele não quis
aborrecê-la nem cansá-la.
Ao menos num ponto, todos daquela cidade concordavam. Sem Mayara por perto, Laerte
Medeiros era um gentleman. Tratava a todos com atenção e amabilidade. Era muito querido
por muitos moradores daquele lugar.
Tirando a triste morte de seu bebê, fato que ocorrera anos antes, logo assim que se
casara, Mayara não tinha muitas reclamações a fazer sobre a vida. Bem... Exceto o fato de
não poder se relacionar com a irmã e com Madame Jacqueline Vartan, a dona do Le Mirage,
aquela boate exclusiva para homens e que, segundo o grupo de fofoqueiras de Vila Verde,
tinha a pior reputação possível, o que não deixava de ser verdade, ao menos para aquelas
pessoas que se preocupavam mais com o rabo alheio do que com o próprio!
Na verdade, Jacqueline sempre cuidara daqueles que necessitavam dela. Tanto fora assim
que o Le Mirage nascera após tantas mulheres se esconderem em sua propriedade, a maioria
fugindo de um marido agressor ou procurando abrigo após serem expulsas de casa quando seus
retrógrados pais achavam que suas meninas estavam perdidas.
E fora assim que Mayara e a irmã acabaram na propriedade de Jacqueline. As meninas
ainda eram pequenas e a mãe morrera em decorrência dos maus tratos do marido. Naquele
tempo, Jacqueline e seu marido acabavam de receber a fazenda como herança, não sabiam como
gerenciar tudo aquilo e estavam prestes a vender a propriedade quando tiveram a ideia de
montar ali um clube exclusivo para homens. Ao menos, mulheres dispostas a trabalharem
naquele tipo de empreendimento era o que não faltava.
Mayara, mal tivera condições de cuidar de si e da irmã, saíra da casa de Madame. Não
saíra porque a madame lhe obrigasse a fazer qualquer coisa que lhe desgostasse. Madame
Jacqueline não era esse tipo de pessoa. Mas Mayara temia ficar estigmatizada por viver
ali, onde tantas garotas de programa ganhavam a vida!
Era, na verdade, muito preocupada com sua reputação e tudo aquilo que as fofoqueiras
de Vila Verde espalhavam aos quatro cantos, tinham nela um efeito devastador.
O mais chato era que Mayara detestava os amigos de seu marido. Ele era fã de
carteirinha daquelas quatro fofoqueiras da cidade e que faziam da vida de alguns
moradores, um inferno incandescente e dantesco. E Mayara detestava aquelas mulheres. Por
mais que tentasse, nem com Coca-Cola aquelas mulheres lhe desciam garganta abaixo!
Entretanto, no geral, Laerte era muito bom, muito gentil, muito carinhoso e, desde o
dia em que se casaram, desde o dia em que se oferecera para ser o pai de seu filho, jamais
dissera qualquer palavra que pudesse magoá-la por causa do mau passo que dera.
Mayara Moreira era diferente de sua irmã Beatriz, agora de casamento marcado para
o comecinho de julho. Sua irmã engravidara, fora apontada nas ruas como mãe solteira e não
se importava com o que falassem dela. Ao contrário. Se lhe dissessem alguma coisa, Bia se
revoltava e revidava à altura. Infelizmente, Mayara era um pouco mais retraída.
Escondia-se de medo e vergonha, não queria que falassem dela, nem bem, nem mal.
Quando descobrira que estava grávida, entrara em desespero. Como faria para convencer
o pai de seu bebê que não se deitara com outro?
Somente Laerte lhe estendera a mão. Fora um amigo verdadeiro, estivera ao seu lado o
tempo todo, acompanhara aqueles meses tristes de gravidez onde ela não só sofria pelos
enjoos, pelos sintomas da gestação mas também pela depressão, pela dor de ter sido
enganada, abandonada, rejeitada pelo homem a quem amava e no qual confiara cegamente a
ponto de entregar a ele o seu coração, seu corpo, sua alma. E o que ele fizera?
Devolvera-lhe um coração ferido, uma alma cheia de dor e um corpo que trazia um bebê para
o qual nem ela e nem ele ainda estavam prontos para receber.
Ficara sozinha com sua dor até que Laerte a resgatara como um cavaleiro medieval!
Mas a realidade era que, há cinco anos, quando aquela dor inimaginável tomara conta
de seu coração, quando seu mundo desabara de vez sobre sua cabeça, quando vira o corpinho
sem vida de seu garotinho tão amado e ansiosamente esperado, ela
culpara seu dedicado marido. Dissera que ele matara o bebê de propósito já que sabia não ser ele o pai da criança.
Todavia, a dor que vira estampada no olhar de Laerte a fizeram recuar. Como duvidar do
amor daquele homem por ela? Não ficara a seu lado quando o pai de seu filho, Zacharias
Sivelie a rejeitara grávida? Laerte não lhe estendera a mão, não jurara amá-la, amar ao
filho que trazia em seu ventre e que era do homem pelo qual ela o abandonara, anos antes?
Como podia acusar aquele homem que sempre lhe demonstrara todo amor do mundo?
- Eu saí, Mayara. Sabe que fui ver a outra lanchonete. Falei com você que ia até lá.
Você estava com o bebê no colo. Não fui eu quem o colocou no berço.
Céus! Então, quem fora? Ela não se lembrava. Dormira e nem ao menos vira Laerte sair.
Dormira com o bebê nos braços e o deixara cair ao chão? Se assim fosse e Laerte o tivesse
recolhido já morto, jamais diria isso a ela. E tudo lhe indicava que fora ela a única
culpada por seu filho ter morrido.
"Deus santo!" Matara seu próprio filho? Matara o filho do homem a quem ainda amava em
segredo? Matara o fruto daquele amor sem esperanças?
Ela ia queimar no fogo eterno do inferno se isso realmente tivesse acontecido. E, como
conhecia bem seu marido, sabia que, se ele soubesse de alguma coisa, jamais iria lhe
revelar coisa alguma pois jamais dizia algo que pudesse magoá-la profundamente. Aliás,
sempre fora ela que sempre o magoara. E, ao acusá-lo como fizera, magoava-o mais uma vez.
Naquele momento, Zacharias Sivelie também estava entregue às recordações do passado. Lembrava-se com
dor em sua alma do dia em que a viga lhe caíra em cima, quando a casa de Raphael estava
pegando fogo. Ele e seu irmão Ricardo quase haviam morrido naquele dia. Agora Ricardo
estava bem e entregue aos preparativos para o seu casamento com sua irmão.
riu tristemente. Seu irmão de sangue ia se casar com a sua irmã postiça, a filha da
mulher que, ainda menina, cuidara dele como babá e a quem acostumara a chamar de mãe.
Sua mãe de verdade abandonara-o quando ele ainda não havia aprendido a se sentar ou a
engatinhar. Abandonara a ele e ao seu pai. Queria viver na cidade grande!
Zac não sentia muito a falta de sua mãe pois desde antes de começar a andar,
Jacqueline cuidara dele. E, quando seu pai resolvera se casar novamente, Jacqueline, mesmo
tendo que partir para São Paulo, ainda lhe escrevia, lhe mandava presentes e então seu pai
resolvera levá-lo a cada quinze dias, para visitá-la como se ela fosse sua verdadeira mãe.
E assim ele crescera. Sabia que por seu pai ser casado, sua mãezinha não podia viver
com ele. Mas como sempre aceitara o que a vida lhe ofertava, era feliz com aquele arranjo
já que seu pai era um homem da melhor qualidade e o fazia muito feliz.
Zacharias crescera, tornara-se um homem feito e fora com muita alegria que vira sua
mãe Jacqueline retornar a Vila Verde. Ficara um pouco enciumado quando sua mãe se casara
com um rapaz tão jovem quanto ele, aliás, da mesma idade, mas sabia que por trás daquela
união havia uma triste e bela história de amor. E vira também, com certa desconfiança
quando sua mãe e seu pseudo padrasto reformaram a fazenda para transformá-la na boate Le
Mirage.
Vira tudo acontecendo a sua volta e sabia que não tinha nenhum poder em suas mãos para
modificar o que quer que fosse.
E agora ele estava ali, recordando o dia em que seu mundo ruíra de vez junto com
aquela viga que o tornara impotente, um meio homem, um incapaz de poder dar amor a uma
mulher!
De que lhe adiantava a fortuna que acumulara naqueles seus quarenta e dois anos de
vida?
O pior era não poder se abrir com ninguém. Como diria a outra pessoa que ele não era
macho de verdade? E se seu irmão Raphael ouvisse tal desatino?
Raphael Sivelie, seu irmão caçula ainda não se perdoava pelo que acontecera a ele e a
Ricardo, embora não tivesse culpa de nada!
A fazenda de Raphael estava em chamas e ele e Ricardo haviam se prontificado a
entrarem na casa, junto com ele, para tentar salvar aqueles que ainda estavam presos lá
dentro.
Raphael conseguira sair com Melissa, sua filhinha. Ele e Ricardo, não. Uma viga
esmagara o rosto perfeito de Ricardo levando-o a ficar complexado durante muitos anos
até que conhecera Genevieve Vartan, com quem ia se casar em breve.
Ele tivera uma viga encravada em sua virilha o que lhe roubara o prazer de ser homem
com "H" maiúsculo!
Desde aquele dia, Zacharias nunca mais se deitara com uma mulher.
Fora o seu castigo por ter usado Mayara por tanto tempo sem jamais levá-la a sério!
E sabia que jamais se deitaria com outra mulher novamente! Não era mais um homem.
Não tinha como obter uma ereção, não tinha mais como tornar-se pai, um dia. Era homem
somente na aparência. Todo o vigor, toda a masculinidade, toda a virilidade lhe fora
roubada por aquela viga incandescente!
Quando ainda no hospital Mayara aparecera para lhe dizer que estava grávida de um
filho dele, lembrara-se de que algumas
pessoas haviam lhe dito que ela poderia querer lhe aplicar o golpe da barriga.
E assim ela o fizera. Num momento em que ele se sentia vulnerável, quando o médico
acabara de lhe condenar a uma vida sem sexo, para sempre!
Era justo que ela escolhesse justamente aquele momento para lhe dizer que esperava um
filho? Sabia do diagnóstico do médico? Sabia que jamais possuiria uma mulher novamente?
Esperara o momento certo para lhe dizer algo que poderia derrubá-lo de uma vez por todas?
E se ela realmente estivesse grávida dele, coisa que ele duvidava, e ambos se casassem?
Estaria ele disposto a ser um homem traído pois jamais iria conseguir satisfazer sua
mulher? Estava disposto a tentar? Casar-se e ser enganado, apontado nas ruas como o homem
que só era homem na aparência?
Sim, por que não tinha dúvidas de que ela faria questão de espalhar aos quatro cantos
de Vila Verde que precisava de amantes pois seu marido não era homem para ela!
Por que aquela viga não lhe tirara a vida de uma vez?
Durante muito tempo ele vira, com pesar que Mayara oscilara entre ele e Laerte. Nunca quisera se casar com nenhum
dos dois. Como podia jurar que o filho que esperava era dele?
O certo era que a mandara passear. Não acreditara nela. E estava certíssimo. Um mês
depois que a rejeitara, que não quisera ouvir suas mentiras, Mayara se casara com Laerte e
logo sua barriga aparecia para que todos a vissem.
Ela quisera tirá-lo de otário? Era certo que ao se casar com ela reconhecesse como
seu o filho que ela trazia no ventre, ela e a criança estariam seguros para o resto da
vida! E ele, o babaca, sustentando um filho que não era seu! Pior! Cuidando do bem estar
de todos enquanto ela gastava seu dinheiro nos braços do tal Laerte!
Angel suspirou desalentada. Quando aqueles pensamentos deixariam de perturbá-la?
Quando chegaria o dia em que ela poderia respirar livremente, certa de que não cometera
erro algum no dia em que o filho de Mayara e Laerte nascera. Tudo bem que aquela fora a
única vez que um parto não dera certo em sua carreira de anos como parteira em Vila Verde,
mas aquele episódio em particular lhe deixara um gosto amargo. Era como uma derrota sem
tamanho e, mesmo mais de cinco anos depois, aquilo lhe feria os brios como se tivesse
acabado de ocorrer.
O que ocorrera naquele dia fatídico que ainda lhe causava a desagradável sensação de
que passara por cima de algo, que não prestara atenção a alguma coisa, que algo incomum
ocorrera sem que se desse conta!
Zacharias Sivelie! Por que pensara nele de repente? Era como se, de alguma forma, ele
estivesse caminhando pelo mesmo passado onde ela estava.
O que Zac Sivelie tinha a ver com o passado de Mayara? Não era de sua conta.
Era certo que naqueles dias, anos atrás, algumas fofocas rolaram de boca em boca sobre
um possível romance de Matara com o belo e rico fazendeiro. Mas como naquele lugar algumas
pessoas pareciam viver de inventar casos e mais casos, Angel nunca os levara em
consideração.
Bem, na verdade não tinha nada de novidade naquilo já que, para todos que viviam por
ali, Mayara sempre vivera na casa de Laerte desde que chegara a Vila Verde. O casamento
entre os dois era o mais certo caminho já que não tinham outra saída.
E quem levaria em consideração uma fofoca que dizia que Mayara tava de caso com Zac
Sivelie, algo que ninguém jamais vira ou ouvira de verdade?
Embora os dois homens fosse de tirar o fôlego, ambos morenos, altos, bonitos até não
mais poder e sensuais em excesso, Zac tinha algo a seu favor. Era podre de rico enquanto
Laerte mal tinha uma casa velha e sombria para morar com uma mãe vítima de Alzheimer.
E como era lindo aquele Laerte. Com olhos e cabelos negros e um corpo de matar os
lutadores de luta livre de inveja.
E o que dizer de Zac Sivelie então? Cabelos castanhos escuros e olhos cinzentos como aço. Uma
Mesmo assim, algumas fofocas rolaram pela cidade. Uma delas era que Mayara abandonara
Zac Sivelie num momento crucial quando ele muito precisava dela. A outra, espalhada pelas
fofoqueiras do grupo ANOVIVER era de que Mayara, por ter sido criada na boate Le Mirage e
por Jacqueline Vartan, não prestava muito, além de acreditarem que a Madame não queria um
envolvimento de seu filho adotivo com umazinha sem eira e nem beira.
que entrara na casa dele para tomar conta de dona Isaura, a velha mãe doente!
Mas tudo isso eram fofocas. Da verdade, ninguém sabia pois Mayara, Laerte e Zac
Sivelie nunca deixara vazar nada do que ocorrera naquele triângulo amoroso! Se é que
chegara mesmo a haver um triângulo amoroso! E Mayara acabara escolhendo o seu amado:
Laerte Medeiros!
De qualquer forma, alguma coisa na consciência de Angel a obrigava a passar a limpo,
dia após dia, como um pente fino a procura de piolhos, tudo o que ocorrera quando ela fizera o parto de
Mayara e também, tudo o que ocorrera e o que poderia ter
ocorrido nas doze horas seguintes enquanto ela estivera fora!
Cowboys do Vale 6 - De volta ao passado
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