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Série Cowboys do Vale 8 - Orgulhoso coração

Resumo: Ele, um pobre vaqueiro sem emprego e com uma mulher que o transformara no palhaço
da cidade. Era traído e envergonhado pela mulher com a quao vivia! Mas ele era trabalhador e cheio de orgulho. Por mais que rissem dele, não
abaixava a cabeça e jamais aceitava favores, auxílio de qualquer tipo. Sentia-se ofendido
se alguém lhe estendesse a mão. Gostava de se levantar sozinho, de seguir seu caminho,
de fazer o seu chão! Ela, uma pessoa intolerante que nem da própria filha tivera coragem
de cuidar. Superficial e fútil, rica e mimada. Como duas pessoas tão diferentes poderiam
se entender?
capitulo 1
    - Acha que vou morar naquele barraco ao qual você chama de casa? - A mulher gritava
desesperadamente para um homem de cara fechada e que se esforçava
a duras penas  para não perder a paciência. - Quer me enterrar naquela tapera caindo aos pedaços?
    O casal estava discutindo há horas no meio de uma estrada de terra. O mato era alto
de cada lado da estrada estreita. Há bastante tempo que estavam naquele impasse, de pé,
no meio de lugar algum. Pelo tempo que estavam ali, era muito difícil que alguém passasse por aquele caminho. Pelo menos, nas
últimas três horas, nenhum ser humano passara por eles e o homem custava a acreditar que
estavam perdendo um tempo precioso discutindo aquele assunto ali, no meio do nada quando
ele tinha tantas obrigações a cumprir. Não fazia sentido algum aquela discussão. Ou
iam para o sítio ou teriam que procurar uma ponte para morarem embaixo. Todavia, naquele vilarejo
não havia pontes suficientemente grandes para que eles pudessem viver embaixo de
alguma. E, caso houvesse uma, certamente se atiraria dela. Ou atiraria a mulher que há
muito tempo o atormentava. O mais estranho, para ele, era ser visto como alguém de
aparência tão assustadora quando na verdade,  era o mais paciente dos seres humanos, capaz
de ouvir aquela mulher falar e falar por horas a fio!
    Mas o homem ponderou. Era bem capaz de, caso houvesse um buraco qualquer onde pudessem
caber, que aquela louca desvairada se enfiasse nele e o obrigasse a se enfiar num canto
qualquer com ela.
    Por sorte, era um homem grande e forte. Não caberia em qualquer buraco. Temia
seriamente que a mulher conseguisse fazê-lo mudar de ideia e esquecer os objetivos que
fora obrigado a traçar para sua vida com a repentina morte de seu pai. E de que lhe
adiantava ser grande e forte quando sua mulher o reduzia a farrapos? Seus amigos, se é que ainda tinha algum, o que                    
duvidava, dizia que ele mais parecia um gladiador. Alto, forte, imponente. Mas um fracote
quando o assunto era Lucinha!
    Como um homem chegava a se tornar um joguete nas mãos de uma mulher? Como ela
conseguira fazer dele um trapo humano sem respeito por si mesmo e sem o respeito dos
outros?
    Naquele momento, Pedro olhava para a mulher raivosa a sua frente que batia o pé como
uma criança pirracenta. O que vira naquela morena que o deixara cego, surdo e sem vontade
própria por cinco longos anos?
    - Lucinha... ´- O rapaz já não sabia mais como convencer a mulher a se acalmar. -
Lucinha...
    Ele era um bobo. Sempre o fora. Mas já não estava na hora de fazer valer a sua
vontade? Afinal, que diabos? Era um homem ou um rato?
    - Não, Pedro! Dessa vez você foi longe demais! Não vou morar nessa tapera no meio do
nada perto de lugar nenhum!
    - Não temos mais onde morar. Sabe disso! - Tentava se justificar. Mas por que o
tentava? Não era um fracassado por vontade própria. Se o era, devia grande parte de seu
fracasso a ela. Mas, logicamente, Lucinha pertencia aquele grande número de pessoas que
jamais via falhas em si mesma. Aliás, a realidade dela era algo que somente ela
compreendia. Seria possível que existisse mais algum ser no planeta como ela? Alguém que
achava que o mundo existia apenas por que ela estava nele? O mais engraçado era que eram
mais pobres que ratos de igreja. Não conseguia compreender como a mente de Lucinha
funcionava. E, na verdade, já não o queria mais. Tentara por cinco anos entender aquela
mulher, agradá-la, fazer o que ela queria. E para onde tanta dedicação o levara? Para
aquela estrada vazia, que levava ao sítio de seu pai e por onde não passava, há horas,
viva alma!
    - Sei, sei... E por que não? Por que você é um incompetente!
    A moça estava vermelha de ira. Gritava, chutava as pedrinhas no caminho e Pedro sabia
que, se ela pudesse, chutaria a ele.
    - Não fui eu quem arrumou confusão em todos os lugares em que fui trabalhar. Quando
nos conhecemos, eu trabalhava para o Henrique Cassilhas e você me fez perder o
emprego de capataz quando arrumou aquela confusão com a mulher dele. E eu já trabalhava
lá há quase oito anos. Trabalhava para poder levantar o sítio de meu pai e quase o
consegui, se você não me fizesse gastar tanto dinheiro com suas bobagens. Tudo o que eu
ganhava, tinha que dar para você, lembra? Se eu tivesse investido meu dinheiro no sítio
de meu pai, agora teríamos alguma coisa para dar continuidade à vida... Fui trabalhar lá
como peão para ajudar meu pai. Amália tinha morrido há pouco tempo e meu pai quis cuidar
de meu filho enquanto eu trabalhava. Aceitei isso. Meu pai cuidara de mim quando minha mãe
morreu e eu me sentia muito bem por ele ter feito isso. Achei que meu filho se sentiria
como eu quando crescesse. Agradecido. Fui muito feliz convivendo com meu pai. Mas tinha
que sair do sítio para trabalhar, para juntar dinheiro para fazer algumas melhorias em
nossa propriedade. Logo que comecei a trabalhar, fui promovido a capataz e para minha desgraça, conheci você. Então não pude mais cumprir com a
promessa que eu fizera ao meu pai. Henrique Cassilhas investia mais da metade do que eu
ganhava. Queria ajudar-me, confiava na minha capacidade de fazer o sítio prosperar. E eu
não tinha como pegar uma pequena quantia todo final de mês e comprar alguma coisa. Tinha
que juntar, investir em algo até ter uma boa quantia e poder começar dali.  Mas aí você
veio para minha vida e tudo o que eu ganhava, você gastava. E assim, o meu
sonho despencou enxurrada abaixo!
    - Mas esse era o seu sonho, não o meu. Por que eu teria que economizar para que você
comprasse vacas? Era como um marido. Tinha que me sustentar, me dar coisas boas e
presentes! Sabia que eu daria o fora se fosse diferente!
    - Mas quem trabalhava era eu. Não poderia ficar ao menos com a metade do dinheiro para
por meus planos em prática? Eu precisava comprar algumas vacas para que o sítio viesse a
prosperar. Se eu tivesse seguido com os meus planos, agora teríamos um bom lugar para
viver e dinheiro para reformar e ampliar nossa casa.
    - Besteira! Eu sou sua mulher e você tem que me bancar! E eu nunca ia querer morar naquele fim de mundo mesmo
nem que você acrescentasse dez andares naquela pocilga!
    - Mas é para lá que vamos agora!
    - Eu não vou! - Lucinha bateu o pé mais uma vez como se estivesse fazendo pirraça. Só
faltava se atirar para trás!
    - Não há outra escolha.
    - Arranje outro emprego.
    - Aonde? Você sujou meu nome em todos os lugares onde trabalhei. Ninguém mais quer me
dar emprego a não ser que eu me separe de você.
    - Eles são todos uns... Uns... Uns... Ingratos! Mentirosos! Fingidos! - A moça batia
os pés com raiva no chão enquanto gritava. - Eu queria poder matar um por um! Sabe por que
eles não querem dar emprego para você, seu idiota? É por que eles me querem. Todos eles me
querem! São todos malucos por mim mas não tem coragem de me assumir por sua causa! Você
atrapalha a minha vida. Se não fosse você eu teria muitos e muitos amantes ricos!
    - Então vá viver com eles! - Pedro perdera a pouca paciência. Como aquela mulher tinha
coragem de dizer-lhe aquelas coisas na lata? Era uma mulher vadia e vulgar. Amantes!
    - Não vou não! Eles são uns fingidos!
    Pedro trincava os dentes de tanto ódio. Por que ele ainda perdia seu tempo dando
ouvidos aquela mulher? Por compaixão? Talvez. Se a abandonasse, ela não teria nenhum lugar
para ir. Mas era certo desgraçar sua vida, como fizera nos últimos cinco anos quando
perdera o respeito de todos, perdera os amigos, perdera tudo por causa daquela mulher?
    - Você aprontou com eles e acha que são eles os culpados?
    - Ah! Isso me deixa com muita raiva! Eles deram em cima de mim. Me cantaram! E você
agora acredita neles! Acha que seus amigos são todos bonzinhos. Eles me queriam. queriam a
mim! A mim! A mim, seu idiota! E não ficaram comigo por que tinham pena de você! Tinham
pena do Pedro, o chifrudo, o boi, o cornudo! - E riu satisfeita.
    Pedro olhou para os dois lados da estrada. Por que não aproveitava que não passava
ninguém por ali e apertava aquele pescocinho até o último suspiro? E ainda podia jogar o
corpo dela naquele matagal na beira da estrada. O mato era tão alto que iam demorar meses
para encontrá-la ali. Estremeceu com o mau pensamento. Não era o tipo de homem violento
e nem vingativo embora não fosse de levar desaforos para casa. Aquela mulher ainda era
capaz de destruir-lhe até mesmo a boa índole que sempre acreditara ter. E não valia a pena
ter tais pensamentos ruins. Era perda de tempo acabar com sua liberdade por causa de Lucinha.
Era pai de dois filhos e tinha um sítio para levantar. O que aconteceria com Diego e com
Tadeu se ele estrangulasse aquela mulher que só lhe dava amolação? Nunca mais ia se
envolver com mulher alguma depois que aquela cobra peçonhenta sumisse de sua vida!
    - E o que quer que eu pense? Pedro parecia desanimado ao falar. -  Depois que "seu" Henrique me
despediu, fui trabalhar para os Sivelie. Já nem era mais um capataz. Mas você me fez
perder o emprego novamente ao dizer que o Ricardo Sivelie tinha dado em cima de você. E,
quando ele disse que fora você quem dera em cima dele você gritou para todos ouvirem que
jamais daria em cima de um deformado como ele, que ele mais parecia um monstro do que um
ser humano. Gritou isso para todos ouvirem sabendo que o homem vivia atormentado por
causa do rosto que fora queimado naquele incêndio na casa do irmão. Não satisfeita, foi reclamar para o patrão Zac Sivelie que eu não era um homem
de verdade que há muito tempo você sonhava com um homem como ele! E partiu para cima do
patrão com tanta vontade que ele disse que não mais me queria ali na fazenda, que era uma
pena abrir mão de meus serviços, que eu era o melhor vaqueiro da região mas que só podia
ficar na fazenda sem você. Exatamente como "seu" Henrique dissera antes. Então você
chamou o patrão de aleijado! Deus meu! Você chamou Zac Sivelie de aleijado depois de ter
chamado o irmão dele de monstro! Qual deles me daria uma outra chance? Não satisfeita, deu em
cima do Adriano Salviati e sabe-se lá mais de quem!
    - Você nunca acreditou nessas coisas antes... - Ela parou de gritar e fez beicinho se
aproximando dele.
    - Eu estava cego e surdo! - Ele se afastou dela. Ainda não se sentia imune o
suficiente para sentir as mãos dela em seu corpo sem que seu membro reagisse embotando-lhe
o cérebro. As vezes, uma mulher deixava um homem sem ação quando ele ficava muito
vulnerável diante dela. E quando ela o tocava, costumava pensar mais com a outra cabeça.
    - Sabe que essas coisas são invenções desses camaradas. Eles dão em cima de mim e
quando digo que não quero nada com eles... Aí eles inventam essas mentiradas todas contra
mim. Sabe que eles todos me querem, não sabe? Quando passo, ficam me olhando, me comendo
com os olhos. E, quando estão sozinhos comigo, me agarram à força. Aí, quando eu voto a
boca no trombone, ficam com medo de você e dizem que fui eu quem deu em cima deles! Um
bando de mentirosos!
    - Sei que deu em cima de Henrique Cassilhas... Como pode negar isso?
    - Mentira dele!
    - E de Guilherme Lobo também quando eu trabalhei duas semanas para ele, no
restaurante do navio.
    - Conversa fiada!
    - E em cima do Laerte também.
    - Do ladrão de bebês? Prefere acreditar nele do que em mim? O cara até foi preso! Acha
mesmo que ele não quis me agarrar naquele beco do lado da casa dele?
    - No veterinário doutor Rabelo.
    - Papo furado. Doutor Rabelo tá com mais de cinquenta anos! Eu não ia querer aquele
velho gagá!
    - Mas eu vi você em cima dele depois de ter atirado o pobre homem no chão!
    - Que injúria! Como eu ia atirar um homem ao chão. Eu que sou toda pequenininha! Um
absurdo! Aquele velho não serve nem para lamber meus pés!
    - Também cantou o doutor Reys!
    - Essa é boa! Aquele mal humorado? O homem parece envolto numa nuvem negra de mau
humor!
    - Mas agarrou-o quando foi ao consultório dele com a desculpa de que ia desmaiar! E
antes de fingir que desmaiava, tirou toda a roupa! Estava nua a gritando que era ele quem
a agarrara. O homem estava mais pálido que uma folha de papel de tão apavorado!
    - Ah! Invenção da cabeça dele. Ele queria mesmo que eu o agarrasse!
    Pedro ignorou os comentários de Lucinha e continuou a desfilar uma lista imensa
de nomes dos possíveis  homens que haviam se queixado do comportamento de Lucinha para
ele. Todos corriam dela quando a viam passar. Era certo que sempre havia alguns que não
tinham escrúpulos e se deitavam com ela pelo meio do mato, já que ela gostava tanto de se
oferecer para qualquer um deles. Evidentemente, alguns a repeliram e até por mais de uma
vez. Mas parecia que a moça não se tocava. Era insistente e abordava suas possíveis
vítimas com exagerada volúpia. E isso deixava os rapazes bastante desconcertados pois
alguns eram vistos com ela em situações seriamente comprometedoras. E como poderiam fazer
para que Pedro, o mais chifrudos dos seres acreditasse neles? O pior era que por mais que
haviam sido as situações sem pé nem cabeça, Pedro sempre acreditava nela. E achava que
aquelas histórias malucas que ela contava eram a mais pura verdade. E assim, quando era
despedido de algum emprego, na maior parte das vezes, se consumia de ódio e fúria por não
ter quebrado a cara do patrão que dera em cima de sua mulher. Assim, sonhara em arrebentar
os irmãos Sivelie, Adriano Salviati e alguns outros. Mas conseguira tirar sangue da cara
de alguns como Oliver Mattos e doutor Reys e muitos mais! E eles nem
reagiram! Na época, atribuíra tal atitude à culpa que sentiam. Agora sabia que apenas
sentiam pena dele! Era um coitado tão grande que nem valia a pena revidar a agressão!
    - E deu em cima do Luís Paulo. Nem respeitou a mulher paralítica dele! E ainda tentou
matá-la!
    - Já estou começando a ficar irritada. Esses camaradas só dizem uma porção de mentiras
para você e agora, parece que prefere acreditar neles do que em mim! E aquela Fernanda é
muito sonsa! Só porque vive naquela cadeira de rodas acha que todo mundo tem que fazer o
que ela quer!
    - Hum! E a lista não termina aí. - Pedro continuou a falar aparentemente imperturbável. -  Deu em
cima do Tavinho, do Bento, do Crispim, do Vinícius Fernandes, do Léo, do Adão e  dos peões dessas fazendas todas por aqui, fossem eles
casados ou solteiros. As mulheres deles a detestam. querem fazer picadinho de você!
    - O que há com você? - Gritou exasperada. - Nunca acreditou nessas mentiras! Por que está dando ouvidos para
essas fofocas agora?
    - Fofocas? Fui demitido de meu último emprego por que você agarrou o patrão com tanta
fúria que acabou rasgando a camisa dele. E depois rasgou a própria roupa para simular um
ataque sexual. Gritou, para todos ouvirem, que ele estava estuprando você. Por sorte não
fui preso quando voei em cima dele e acertei-lhe um soco na cara.
    - Ah! Ele bem que mereceu aquele soco!
    - Você me fez dar um soco na cara de Oliver Mattos, um dos homens mais ricos de Vila
Verde, se não for o mais rico!
    Lucinha sacudiu os ombros.
    - Ele mereceu!
    - Só por que ele não quis o seu oferecimento? - Pedro gritou na rua deserta. Já
perdera a paciência. amara aquela mulher e ela só lhe dera dor de cabeça!
    - Escute aqui...
    - Escute aqui você! Estou cansado de ser o otário, o trouxa, o chifrudo, o babaca de quem todos
riem pelas costas.
    - Ah é? E daí? Tô morrendo de medo de você!
    - Quero saber o que vai fazer? Tem que decidir agora. Sabe que eu tenho dois filhos
para  criar e que eles vão precisar muito de mim.
    - Eu não vou cuidar dos seus filhos. Não nasci para cuidar dos filhos de ninguém.
    - Um deles também é seu filho, esqueceu? E só tem quatro anos!
    - Não me sinto mãe. Sou muito novinha para tanta responsabilidade.
    - Eu tenho que cuidar dos meus filhos agora que meu pai morreu. E tenho que morar na
casa que ele deixou para mim.
    - Aquela casa imunda? O telhado está todo estragado, as paredes estão de dar pena. Não
vou morar lá. Além disso, fica lá onde o Judas perdeu as botas! Vou demorar um dia inteiro
para chegar lá pois não tem carro e nem cavalos. Só há por lá aquele jumento idiota! Não vou pra lá. O vizinho mais próximo
está há mais de meia hora de caminhada! Podia ao menos ter vindo pra cá naquele burro
demente que você tem por lá? - Ela gritou. - Ao menos eu não teria que andar a pé nessa
poeira toda! Não vou pra lá! Não vou! Não vou! Não vou!
    - Tudo bem. - Ele disse depois de respirar fundo. - E não trouxe o burro por que meu
filho precisa dele para a lida na terra!
    - É o fim do mundo! - Ela bufava de raiva. - As fazendas daqui são todas mecanizadas. E nenhuma
tem menos de setenta, oitenta vacas! O que você vai fazer com uma dúzia de vaquinhas, levantando
as quatro da manhã, sentando no seu banquinho e ordenhando vacas com as mãos! quem quer
ganhar dinheiro com leite hoje em dia, mecaniza. Coitado de você! Já perdeu o jogo antes
de começar! O que vai ganhar com suas vaquinhas mais magras que modelos de passarelas?
Suas vacas são anoréxicas! Acorda, peão!
    Pedro Rocha tinha que agradecer a Lucinha por ter-se tornado, ao longo daqueles
cinco anos, o homem mais paciente do mundo. Era certo que nunca fora o tipo que bate em
mulher, mas que Lucinha merecia uns bons tabefes, isso merecia. Primeiro, acabara com o
pouco dinheiro que recebia por seu trabalho e o pouco que conseguira economizar para
ajudar o pai a reerguer o pequeno sítio. Depois o envergonhara dando em cima da maioria
dos homens daquele lugar a ponto de fazê-lo perder a cabeça. Agora, não tinham mais
trabalho e nem nenhum lugar para morar. Tinha que agradecer aos céus que seu pai lhe
tivesse deixado aquele pedaço de terra. E ela agora fazia o maior drama para segui-lo.
Era certo que se ele fosse um homem de respeito já a teria mandado passear há muito
tempo. E, muito ao contrário, estava lhe oferecendo uma casa, um teto, um lugar para
ficar já que tinham juntos um filho que deveria precisar da mãe. E ela fazia aquele
dramalhão há mais de três horas naquela estrada deserta onde nem um cão danado e perdido
passava. Aquela estrada ficava do outro lado da cidade, bem afastada do centro, mas era o
que ele tinha agora. Por isso, sua mão chegara mesmo a se fechar de tanta vontade de arrastá-la
pelos cabelos ou até mesmo coisa pior. Tava na cara que ela precisava de uns tabefes para cair na real!   Mas esse não era o seu
pasto. Achava bem melhor dar as costas e ir-se embora. Se ela não queria ir com ele,
paciência. Aprenderia a cuidar do filho de quatro anos sozinho. Não seria o primeiro e nem
o último pai solteiro do planeta. Além disso, podia contar com Diego, seu filho mais
velho que era ouro puro. A outra alternativa era caminhar por aquela longa estrada
em silêncio e deixar que ela o acompanhasse resmungando, xingando, dizendo-lhe os piores
desaforos. Naqueles momentos, em que Lucinha perdia a calma, o melhor era deixá-la
extravasar toda sua ira. Além disso ele ainda estava um tanto atordoado. O pai morrera de
repente e ele se sentia culpado. Fora o coração. Se ele não tivesse dado ouvidos a
Lucinha, se ele tivesse ido ajudar seu pai na lida da roça como o velho lhe pedira, certamente
seu pai ainda estaria vivo. Mas Lucinha se negara a ir e ele, como sempre fizera, atendera
a sua egoísta mulher.
    Engraçado como só agora conseguia ver o quanto ela só pensava em si. O pior era saber
que nenhum peão de respeito o via com bons olhos por causa das atitudes dela. Como pudera
ser tão cego? Sentia-se como alguém que tivera os olhos vendados por muito tempo e que, de
repente, lhe retiravam a venda e ele se sentia chocado com o que via e percebia a sua
frente. Era, na verdade, um chifrudo! aquilo que chamam de corno manso. Seu pai mesmo
cansara de pedir que ele se afastasse daquela mulher. E ele, assim como era cego, também
era surdo. Não via e nem ouvia a verdade.
    E, enquanto tentava segurar as lágrimas por ter perdido seu pai, seu arrimo, seu
verdadeiro apoio na vida, Lucinha ria e dizia, para quem quisesse ouvir, que o velho já
fora tarde demais!
    Ela não tinha coração?
    - Não temos outro lugar para morar... - Disse ele com calma. - Ninguém na cidade quer
me dar mais emprego. E, embora eu sinta muito a morte de meu pai, agradeço aos céus por
ele ter deixado aquela casa para mim.
    - Casa? Bate na boca quando se referir aquele troço como casa!
    - Meu pai viveu ali a vida toda.
    - Percebe-se. Ele deve ter vivido ali uns mil, duzentos e cinquenta anos. A tapera é de dar
pena! Deve ser por isso que sua mãe morreu cedo! Não suportou tanta miséria!
    - Não diga asneiras!
    - Quem conseguiria suportar aquele velho bêbado? Nem sua mãe aguentou o coitado!
    - Estou indo para lá agora. Meus filhos estão lá sozinhos. Não é justo que eu os deixe
tanto tempo entregues a própria sorte! Já basta esses anos todos em que eu os deixei com
meu pai.
    - E vai fazer o que com a bela herança que o velho te deixou? uma dúzia de vacas
magras, um boi velho, cansado e morto de fome...  E um jumento! Ah! E cinco porcas e algumas galinhas velhas... Fala sério! Como vai
matar a própria fome com toda essa herança.
    - Antes eu não tinha nem isso. E tem mais que uma dúzia de vacas! E não fale mal de
meu touro! É um Girolando! E não está nada velho!
    - Grande coisa! Dez, vinte vacas! Que diferença faz?  Pois é... Continua sendo um merda como sempre foi.
Os Sivelie tem um plantel com mais de dez mil cabeças de gado! E Oliver Mattos? Não tem mais que
isso? E você? Dez vaquinhas? Vinte? Faz-me rir!
    Pedro Rocha suspirou fundo. Há cinco anos que viver com Lucinha se transformara num
cabo de guerra. Mas sempre fora muito cego de paixão por ela. Todavia, aquela paixão
parecia estar cedendo pois, somente agora, ele podia ver quem realmente era a Lucinha por
quem perdera tantas oportunidades. Era para estar bem empregado, cuidando da própria vida
e de seus dois filhos. Diego, seu filho de dezesseis anos, fruto de seu casamento com
Amália e o pequeno Tadeu, seu filho com Lucinha.
    Seu pai sempre o apoiara, embora vivesse dizendo-lhe que ele só se tornaria alguma
coisa quando conseguisse se livrar daquela cobra peçonhenta, como ele sempre a chamava.
    Era óbvio que os dois nem podiam se ver que saía faísca de cada encontro. E Lucinha não
deixava de gritar para o seu pai que ele não passava de um velho bêbado e fracassado. E
nem mesmo lhe agradecia, já que seu velho e cansado pai cuidava do filho dela.
    - Deixe o menino aqui comigo, filho, enquanto você precisa por a cabeça no lugar,
encontrar um emprego. Deixar o pequeno com essa desmiolada não vai dar certo. Ela não cuida nem
dela. - Seu pai dissera pouco depois que Tadeu nascera e ele tinha que trabalhar.
    - Mas pai... Você já cuida de Diego...
    - Diego já está um rapazinho. Vai me ajudar a cuidar do pequeno.
    E não houvera argumento que fizesse seu pai ceder. Não que Pedro quisesse que seu pai
cedesse. Sabia que Lucinha jamais cuidaria do filho. Entretanto, ele alimentara tal
esperança de que a maternidade melhorasse aquela cabeça oca. Mas, como estava muito
apaixonado por ela... Acabava fazendo vistas grossas a tudo de errado que acontecia ao seu
redor. Porém, parecia que as coisas estavam mudando!
    - Já disse que não vou me enterrar naquele fim de mundo com você!
    - Tudo bem. Eu estou indo para lá então.
    Lucinha arregalou os olhos e parou bem na frente de Pedro.
    - Está dizendo que vai para aquela casa horrorosa e vai me deixar aqui na cidade?
    - Estou.
    - Você não está falando sério, está?
    - Estou.
    Lucinha partiu pra cima dele.
    - Seu desgraçado dos infernos! Está pensando em me abandonar aqui, sozinha? Como vou
viver?
    - Você não diz que todos os homens querem você e que sou eu que atrapalho a sua vida?
Chegou a hora de se livrar de mim.
    Lucinha olhou para ele com a palidez escondendo totalmente a tez morena.
    - Está falando sério? quer me abandonar aqui sozinha na cidade?
    - Você disse que não vai para a casa que meu pai me deixou.
    A moça o olhava de olhos arregalados, avaliando se ele estava mesmo falando a verdade.
Aquele homem sempre comera na sua mão. Fizera dele gato e sapato. Ele estava mesmo lhe
dando o fora depois de cinco anos? Impossível. Ele morria por ela. Todos sabiam disso!
    - E o que eu vou fazer? - Os lábios de Lucinha tremiam.
    - Não tenho a menor ideia!
    - Não vai se livrar de mim assim tão facilmente!
    - Você disse que não ia para o sítio.
    - Sítio? Tem coragem de chamar aquilo de sítio? - Ela zombou.
    - É a minha casa.
    - Uma porcaria de casa! Uma porcaria que você herdou pois nem para ter sua própria
casa teve capacidade!
    Pedro Rocha olhou para o fim da estrada. Por que aquela mulher fazia questão de
diminuí-lo tanto?
    - Bem... É isso, Lucinha! Se quiser viver comigo vai ter que ser desse jeito agora.
Estou indo para o sítio e pronto. Se quiser vir, terá o seu lugar lá, comigo!
    - Pensa que vou pra aquele fim de mundo para lavar, passar, cozinhar, cuidar de vaca e
tirar água do poço? Nem luz tem naquele fim de mundo! - E, batendo os pés no chão. - Não
vou, não vou, não vou!
    - É claro que tem luz elétrica lá! - Ele tentou explicar. - Não viu as lâmpadas?
    - Grande coisa! Tem luz, né? E o ferro de passar roupa é de carvão! E a água ainda tem
que ser tirada do poço! E a louça tem que ser lavada de um jeito deplorável numa bacia! Não tem pia.
E o banheiro! Bah! O banheiro é um buraco no chão! Seu pai vivia como um animal! Acha que
vou morar naquele lugar? Para fazer um xixi tenho que sair de dentro de casa e me abaixar
num buraco a quase dez metros longe de casa! Nem morta!
    Pedro deu de ombros, virou as costas e começou a andar. Talvez chegasse ao sítio
antes do anoitecer. Desde que seu pai fora enterrado, há dois dias, que deixara os dois
filhos voltarem para casa sozinhos. Não ia mais se descuidar de seus deveres de pai para
ficar paparicando aquela mulher ingrata, que ria dele pelas costas e que não acreditava
nele nem um pouco. Ia trabalhar nas terras do pai e ia transformar aquelas terras num
lugar próspero e lucrativo. Ia mostrar para Lucinha que ele era capaz de tirar leite das
pedras!
    Lucinha olhou para Pedro durante um bom tempo. Enquanto ele se afastava pela estrada
poeirenta, ela ia desejando a ele todos os males possíveis e imagináveis.
    - Vou morar com um figurão rico, você vai ver. Um monte desses ricaços vai querer
cuidar de mim. E, quando eu tiver numa boa, vou até aquele barraco imundo e vou tirar o
meu filho de você! Vou criar aquele moleque como se ele fosse um Sivelie, um Mattos, um
Cassilhas!
    Pedro continuou andando sem olhar para trás. Mas ouvir que ela levaria o filho, mexeu
com seu ânimo. Ela jamais cuidara do filho. Teria coragem de tirar o menino dele só para
se vingar? Era claro que teria! Lucinha era capaz das piores coisas!
    E, abismado com o repentino medo de perder o filho, não reparara que a mulher correra atrás
dele.  Acabara sendo atingido por uma pedrada na parte posterior da cabeça. Sentiu o
sangue escorrer e, antes que entendesse o que estava acontecendo, foi atingido por outra
pedrada. Ficou um pouco tonto. Logo, sentiu mais  outra. E mais outra. O que estava lhe acontecendo?
    Seu raciocínio ficara lento de repente! as pedradas o deixaram meio grogue. Logo
agora que precisava se defender da insanidade de Lucinha que lhe atirava uma pedra atrás
da outra gritando, ao mesmo tempo, uma infinidade de palavrões e ameaças, ficara lento e
confuso. Se não fizesse alguma coisa, ela ia matá-lo a pedradas, ia estourar sua cabeça!
Ela era louca mesmo e não ia nem mesmo pensar na repercussão daquilo que estava fazendo.
Sua cabeça não era de pensar nas consequências de seus atos!  Ela simplesmente agia
seguindo seus instintos! Já caído, se arrastou para o mato alto na beira da estrada. Lucinha teria medo de
entrar ali. Ao menos, contava com isso. Era melhor encontrar uma cobra do que ter que
enfrentar a fúria doentia de Lucinha. Além disso, suas forças estavam indo embora. Se
Lucinha resolvesse entrar ali ele não teria como se defender. Era como o gigante Golias
abatido pelo pequenino Davi!
    Já estava escuro quando Pedro voltou a si. Perdera muito sangue e estava ainda meio
tonto. Sua mente demorou um tempão para informá-lo de tudo o que se passara e de como
deveria agir agora que recobrara a consciência. Para piorar, estava numa estrada onde pouquíssimas pessoas passavam. Voltar para a
cidade seria difícil e seguir adiante, tanto pior.
    Passou a mão pela cabeça e percebeu que o sangue secara, mas tudo parecia espesso
demais. Todavia, precisava se esforçar para sair do meio daquele matagal.
    - Conseguiu, com muita dificuldade, arrastar-se outra vez para a estrada. Era claro
que Lucinha não mais estaria ali.
    Na estrada, ergueu-se com muita dificuldade. Estava tonto e não tinha aonde se apoiar.
    Entretanto, mal se levantara e dera de cara com um par de farois altos. Sentiu-se
cego por alguns milésimos de segundos e então veio a pancada. E tudo ficou negro outra
vez!


             Cowboys do Vale 8 - Orgulhoso coração



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