Resumo: Eles iam se casar mas brigaram feio na véspera do casamento. E cada um foi para um lado. O que ele não sabia era que ela estava grávida de trigêmeos. Na verdade, nem ela sabia. No entanto, a mágoa que ele lhe causara não tinha perdão. Não podia voltar atrás. O melhor era seguir em frente. A dor era imensa demais para que ela se rebaixasse por mais difícil que seu futuro pudesse lhe parecer. Mas não sabia que ele também se sentia tão magoado quanto ela. E que ficara tão desolado que jurara vingar-se, caso um dia a reencontrasse. E, logicamente, ele fizera de tudo para encontrá-la e cobrar aquela dívida!
capitulo 1
de dar voltas e mais voltas no mesmo lugar. A essa hora, já teria trabalhado bastante,
colocado todos os assuntos em dia e ficaria a espera de alguma eventualidade. Todavia,
naquele momento, sua cabeça nada mais tinha além da necessidade de vê-la.
Tinha de vê-la! Esperara por muitos anos mas agora não tinha mais como esperar. Estava
ansioso, nervoso, irritado. Se ela não viesse, morreria.
Quantas voltas já dera ao redor daquele quarteirão esperando vê-la de alguma forma?
Dez? Doze? Quinze? Não sabia. Perdera a conta! Só sabia que ia morrer de tanta angústia!
E quem acreditaria se ele dissesse que o delegado da cidade morrera por que não
conseguia mais esperar pelo momento em que a veria outra vez?
Sorriria com seus botões se não estivesse se sentindo o mais amargurado dos homens! E
fora ela quem lhe pusera aquele gosto amargo na vida e na alma. E ia fazer com que ela
pagasse cada dia em que sofrera, em que esperara por uma notícia, por uma resposta as suas
indagações!
"Oh, Deus!" Lá estava ela! Do mesmo jeito que ainda se lembrava. Com aqueles cabelos da cor de
amoras maduras. Esbelta, com as curvas mais estonteantes do mundo! A mulher que ele tanto amara um dia e que agora odiava de todo o coração!
Parou o carro a quinze metros dela. Tinha bons olhos. Dali podia observá-la nos
mínimos detalhes. E relembrar a ofensa que ela lhe fizera, a vergonha que o fizera passar,
a traição que lhe jogara nas costas.
Mas o que ela fazia ali? Estava em pé, do outro lado da rua, em frente a casa na qual
deveria entrar. Por que estava ali e não atravessava a rua e entrava na casa?
Estava na calçada oposta a sua casa, olhando para a propriedade como se aquela
construção fosse lhe saltar em cima.
Parecia temerosa em entrar na própria casa!
Por que?
E quem lhe avisara do que ocorrera? Certamente fora o salafrário do primo. Deviam
manter contato. Se assim fosse, ela devia saber que ele, o homem a quem ela humilhara
diante de todos, acabara se tornando policial naquela cidade. Fora para lá, a
procura dela pois se lembrava que, apenas uma única vez ela lhe falara que nascera ali.
Ele fora até lá em busca de notícias dela pois, embora estivessem para se casar ele
nada sabia do passado dela.
E qual não fora a sua surpresa ao saber que ela fugira de casa aos quatorze anos, que
não valia nada, segundo o que ouvira da boca de sua própria mãe.
E logo soubera que além de ser a filha odiada de uma mulher a quem todos naquela
cidade detestavam, ainda era prima daquele mau caráter que ele ansiava em colocar atrás
das grades um dia!
Sentado na viatura policial, ele segurava o volante com tanta força que seus dedos
estavam brancos. O ódio que escapava de seus olhos eram como labaredas de fogo.
Jorge del Toro observava a mulher que um dia, o abandonara no altar, diante de todos os
seus amigos da polícia, diante de sua família, para fugir com outro homem!
Por anos, desejara encontrá-la para matá-la com suas próprias mãos pela vergonha que o
fizera passar.
Depois, quisera encontrá-la para fazer com que ela sentisse a mesma dor que ele
sentira ao se ver desprezado, rejeitado diante de todos.
Aquela mulher maldita zombara de seu amor, rira dele, colocara-o num papel ridículo
onde ele tivera que dar milhares de explicações para um bando de colegas que riam dele por
dentro e por fora!
Fora a piada da delegacia de polícia por dias, semanas... E seria por meses se não
houvesse surgido uma vaga para trabalhar justamente na cidade onde aquela vadia
desclassificada nascera e se criara.
Não perdera aquela chance, embora soubesse que seria o único policial a trabalhar
naquela cidade. Sabia que seria o responsável pela delegacia e que teria que trabalhar em
dobro, talvez até três vezes mais para poder manter a ordem numa cidade de cunho turístico
e com a ajuda de apenas quatro policiais militares.
E fora bastante difícil. Há anos não sabia o que era uma boa noite de sono. O trabalho
o despertava a qualquer momento e ele tinha que estar presente nos mais diferentes
lugares, nos mais diferentes horários.
Era o único responsável por manter a lei e a ordem numa cidade pequena mas que recebia,
diariamente, o triplo de sua população em visitantes, não importando em que estação do ano
estivessem..
Os turistas corriam para aquela cidade, fosse inverno, para desfrutar do clima de
montanha ou fosse verão, para poderem usufruir das mais diversas atrações que aquele lugar
de beleza ímpar podia oferecer.
E assim fincara raízes ali. Batera de frente com os grandes nomes do lugar. E jamais
pestanejara em colocar os ricos da cidade atrás das grades quando fora preciso.
Apesar disso, acabara se tornando amigo de alguns deles. E os tinha em alta conta.
Entretanto, esperara pacientemente por longos doze anos pelo dia em que veria aquela mulher
outra vez e a faria pagar por toda a humilhação que ela o fizera passar!
Por mais que tentasse esquecer, dar a volta por cima, não conseguia se livrar do calor
de ira e ódio, de vergonha e humilhação que sentira ao ver vários pares de olhos fitando-o
enquanto ele permanecia, por horas, em pé, naquele altar, esperando por aquela maldita
mulher que nem mesmo lhe mandara avisar que não iria até a igreja onde ele e seus colegas
da polícia aguardavam pela cerimônia de casamento.
E agora ela estava ali, de pé, a poucos metros dele, olhando para a casa que era de
sua mãe, que morrera no dia anterior.
E por que ela não atravessava a rua e entrava na casa?
Por que ela ficava ali, de pé, ao lado de seu carro, olhando e olhando para a casa
como se estivesse com medo de entrar ali?
Estaria com medo de alguma coisa? E de que ela sentia medo?
Abriu a porta do carro e saiu lentamente. Tinha que confrontá-la. Não podia esperar
mais por isso. A espera até agora fora lenta e dolorida demais para que ele se
compadecesse dela naquele momento de dor.
Ela se fora de Vila Verde há muitos anos. Ele só soubera que ela nascera e crescera
ali por que um dia ela lhe falara de sua cidade, mas logo se arrependeu do que lhe
contara. E nem mesmo dissera nada de relevante.
- Eu nasci num lugar muito bonito. É tão bonito que muitos turistas vão para lá para
se banharem em suas piscinas de água natural... Um dia, aquele lugar vai ficar muito
famoso. - Ela dissera num dos poucos momentos em que conseguia relaxar. Na verdade, ela
estava sempre tensa, sempre esperando que alguém surgisse de algum lugar e a levasse
embora. Se sobressaltava a todo momento. Seu olhar sempre estava a espreita, procurando
alguém que podia se esconder nas sombras. Nunca entendera aquela atitude de alerta embora
fosse um policial com bastante experiência. E, somente naquele momento, tantos anos depois
ele se dava conta de que ela parecia estar sempre com medo de alguma coisa. Exatamente
como a atitude que demonstrava agora, olhando aterrorizada para a casa onde nascera. E
então se perguntou por que ela nunca falava de sua cidade, de sua família, de sua casa, de
nada sobre o lugar onde se criara. Exceto naquele dia e mesmo assim, ela parecera
arrepender-se de ter dito algo sobre sua cidade natal.
- Ah, é? - Ele perguntara sem se dar conta de que era a primeira vez que ela falava de
si, de sua vida. Somente aquela palavrinhas e ele, nem assim, notara qualquer coisa de
anormal. - E onde fica esse encanto de lugar?
- Sou de Vila Verde! - Ela dissera deixando transparecer todo o arrependimento de ter
dito algo que pudesse revelar algo sobre si mesma. E nem assim, ele fora capaz de perceber
algo de estranho naquela conversa, naquela tão pequena informação.
- Vila Verde? E onde fica isso? - Perguntara por perguntar, sem nenhum interesse.
- Vou tomar um suco... quer? - Ela trocara de tema e ele nem percebera.
- Quero sim... - E aquela conversa morrera ali.
Saiu do carro mas não deu nenhum passo na direção da mulher. Estava atônito consigo
mesmo por nunca ter parado para pensar na mulher a quem tanto amava como um ser
com uma vida antes dele! Jorge del Toro se sentiu agredido por aquela omissão em seu
passado. Aquelas lembranças o fizeram recuar. Como pudera amar tanto a uma mulher e não
procurar saber nada sobre sua vida, sua infância, seus pais, sua adolescência?
E agora via claramente como jamais se mostrara interessado em nada sobre a mulher
a quem amava. Bastava tê-la ao seu lado, com seu jeito reservado...
Reservado? Tirando esse medo que ela trazia no olhar e que ele nunca tivera a
capacidade de desvendar ou ao menos, de se interessar em desvendar, ela era um barril de
pólvora pronto para explodir por qualquer coisa. Era geniosa, briguenta, impulsiva,
passional. E esse temperamento volátil da mulher a quem amava o tirava do sério mas também
fazia com que o mundo girasse única e exclusivamente ao redor dela.
Ela era seu mundo, sua vida, seu destino. E quando ela o deixara plantado no altar,
esperando que ela surgisse a qualquer momento pela porta da igreja, ficara doente. Ela
jamais entrara. E somente duas horas e meia depois, sua mãe fora até ele e dissera-lhe que ela não viria, que fugira, que se fora com o amante.
Até aquele momento não sabia explicar por que fizera questão de esperar por ela naquele altar.
Até o padre desistira de esperar e se fora. Mas ele permanecera ali, duro feito uma
estaca, com a vã esperança de que ela surgiria a qualquer momento naquela porta de
entrada. Para se casar com ele! Para ser dele para sempre!
E ele quis morrer de vergonha e de tristeza quando percebeu que ela não ia mesmo
entrar pela porta da igreja, que ele não descobriria como era o vestido de noiva do qual
ela tanto falara com ele que acabara deixando-o curioso, louco para vê-la de branco, de
véu, com sua aliança em seu dedo, mostrando a todos que ela era somente dele e de mais
nenhum outro!
Era até engraçado se lembrar, como se tudo tivesse acontecido no dia anterior, que ele
se fixara no vestido que ela usaria. Fantasiara, em sua mente, milhares de modelos e em
cada um deles, a sua satisfação em despir-lhe aquele amontoado de renda, seda ou fosse lá
o que fosse. E imaginava-se tirando-lhe o véu. Todavia, mal entendera que ela se fora, possivelmente
com outro, o ódio que o consumiu fora o suficiente para que ele não pensasse em mais nada
a não ser em fazê-la sentir toda aquela dor que ele sentia ao perdê-la, ao ser abandonado
e rejeitado, ao ser consciente de que sem ela a vida não tinha a menor razão de ser
vivida.
E ele vivera até agora alimentado pelo ódio de que um dia ela acabaria aparecendo em
Vila Verde para visitar sua odiosa mãe. Por doze anos alimentara-se de ódio, de desejo de
vingança, de dor, de auto compaixão.
Justamente naquela cidade onde ele vira a felicidade estampada no rosto de muitos
casais que agora eram seus amigos. Todos pareciam felizes e ele sabia que jamais seria
como eles pois a única mulher que poderia fazê-lo feliz agora pertencia a outro homem!
Mas o seu momento chegara. Ia ficar esperando em seu carro olhando para ela até quando. Tinha
que se aproximar, falar com ela e se controlar pois sentia todo o corpo tremer, sentia
suas longas e musculosas pernas como gelatina, sentia seu coração batendo feito louco em
seu peito e sentia que se não se esforçasse além da conta, nem conseguiria balbuciar
qualquer som. Não ia pagar o mico de gaguejar, ficar sem voz e nem de falar com dificuldades,
por causa da emoção. Era um homem de um metro e noventa e dois centímetros, cem quilos, forte como touro e não ia deixar que aquela mulher percebesse o quanto ele estava vulnerável ao
revê-la depois de tantos anos. Tinha que se concentrar na dor que ela lhe causara, na
vergonha que ela o fizera passar, na traição dela, de deixá-lo no altar esperando por
uma mulher vulgar que o trocara por outro e que fugira dele!
"Vadia!" Disse entre os dentes e foi na direção dela.
- Oi... Lembra-se de mim? - Ele disse satisfeito por sua voz sair naturalmente de seus
lábios. Afinal, dissera aquela frase tantas vezes para si mesmo que acabaram saindo
displicentemente, como se tivessem vida própria ou como se estivessem mesmo esperando, como
ele, por aquele momento.
E saboreou, tanto o que dissera quanto o pavor nos olhos dela, naqueles olhos cinza
esverdeados, vitória. E viriam muitas! Ela pagaria todo o mal que lhe causara. Choraria lágrimas de sangue. E, talvez, nem assim ele se sentiria vingado!
Ela se virou lentamente ao ouvir aquela voz de seu passado. Aquela voz grave e rouca,
quase cavernosa e ao mesmo tempo, terrivelmente sensual quando sussurrava palavras de amor
em seus ouvidos. Mas que também sabiam agredir, magoar, machucar, flagelar como nenhuma
outra!
O nome dele ficara preso em sua garganta ao vê-lo, tão imponente, a poucos centímetros
de si.
O que Jorge Luiz del Toro fazia em Vila Verde? Como o destino o colocara em seu
caminho depois de doze anos? O que aquele homem fazia justamente na cidade onde ela
nascera e crescera? Como fora parar ali?
Lembrou-se imediatamente de seus filhos. Ele nada sabia sobre as crianças. Ou sabia? E
seria pelas crianças que estava ali? Soubera que dera à luz? Será que ele se lembrava que
a humilhara, que renegara o filho que ela trazia em seu ventre? Ele ainda se recordava de
que a expulsara de sua vida, que a mandara embora na véspera de seu casamento, dizendo que
aquele filho que ela esperava não era dele e que, no fim, a trocara por outra? E agora o que ele queria? O que fazia ali diante dela?
- Está surpresa em me ver?
Ela não conseguia emitir nenhum som por mais que o tentasse. Sua mente tentava
encontrar explicações para a presença dele ali. Teria sido Laerte que o contatara? Mas
Laerte nada sabia dele! Soubera apenas que ela iria se casar mas não sabia com quem!
- Não vai me dizer que está feliz em me encontrar aqui na sua cidade natal?
- Eu... Eu... - Ela se esforçava mas não conseguia coordenar seus pensamentos. Só
conseguia pensar nas crianças. Em nada mais.
- Como soube da morte de sua mãe?
"Mãe?" Ah, sim! Sua mãe morrera! Laerte, seu primo lhe comunicara. Estava ligando para
lhe dizer que dona Josepha tinha morrido numa espécie de hospício.
Desde que saíra de Vila Verde, com a ajuda de seu primo e da madame Vartan, aos quatorze anos, que ela nunca mais pusera os pés naquela cidade. Mas, de uma forma ou outra, Laerte, seu
primo, quase irmão, estava sempre em contato com ela. Ele também acabara fugindo de Vila
Verde, pois acabara cometendo algumas loucuras em nome de um amor não correspondido.
Todavia, mesmo sendo mau para outras pessoas, fora bom para ela. E a livrara daquela mãe
venenosa e doentia.
Nunca pudera compreender como uma mãe podia ser tão cruel e desumana quanto a sua. No
fim, tinha tanto pavor de sua própria mãe que Laerte, seu primo e queridinho sobrinho de
dona Josepha, acabara se tornando seu fiel defensor. E era até de se estranhar pois Laerte
não primava pela integridade de caráter. Entretanto, não medira esforços para mantê-la o
mais distante possível de sua mãe e dos interesses doentios que aquela mulher demonstrava!
No entanto, estranhara quando o próprio primo, apesar de mostrar pela madame
Jacqueline Vartan o mesmo desdém e desprezo que dona Josepha, acabara pedindo que a dona
do bordel cuidasse de sua prima para que dona Josepha jamais soubesse onde a garota
pudesse estar. Pedira mesmo a mulher que a levasse para longe de Vila Verde.
E fora muito estranho acompanhar seu primo, numa noite sem luar, até a boate, onde
Jacqueline Vartan a aguardava, com os olhos bastante desconfiados, tanto dela quanto daquele rapaz. Afinal, não fazia nem uma semana o próprio Laerte Medeiros acompanhara sua tia e uma porção de mulheres indignadas,
e homens contritos, com tochas, paus e pedras, na vã tentativa de incendiar a boate Le Mirage, gritando que aquele lugar era um antro de perdição e que deveria ser eliminado da face da terra!
Era assim que dona Josepha, a mãe de Maria de Fátima sempre agia quando o assunto era
a boate Le Mirage e o casal Jacqueline e Jean Pierre Vartan.
Então, como Laerte, seu primo metido a agradar a tia acima de tudo, acima até da
própria mãe, fora agir de forma tão contrária? Queria que sua prima se tornasse uma
prostituta naquela boate? Mas era claro que não era isso. Ouvira quando ele fizera questão
de ouvir dos lábios da madame que a levaria para longe.
- Sabe como é, né madame? Se minha tia descobre que a senhora a mantém aqui, poderá
vir com tudo contra a senhora e eu não quero nada disso...
- Como não, Laerte? Sempre acompanha sua tia em tudo o que ela faz!
- Sei disso, madame... Mas não quero que algo saia errado e minha prima esteja entre
suas protegidas, caso isso venha a acontecer. Além disso, as ameaças de minha tia nunca
passam de fanfarrice. Faz tempo que ela vem tentando acabar com o Le Mirage e o que ela
conseguiu até agora? Ela mais ladra do que morde! E nem de longe desconfia que tirei
a Fátima de casa. Mas não quero que ela continue ali... Não é saudável para ela, a senhora
sabe bem o porque!
A madame sabia. E assentira. Mas ela mesma não sabia de muita coisa. Sabia da maldade
que sua mãe queria lhe impor. Aquela mulher que gritava aos quatro cantos a sua bondade, a
sua integridade, a sua honestidade e quase gritava aos quatro cantos a sua santidade!
Na verdade, não sabia por que aquela mulher queria que ela fizesse aquelas coisas que
mãe alguma obrigaria a uma filha de treze, quatorze anos a fazer.
Ela e o primo fizeram questão, ao longo dos anos, de manterem o contato. Laerte era a única pessoa
que ela tivera no mundo e que cuidara dela. Adorava o primo como se fosse um irmão
adorado. Infelizmente, quase nunca se viam, mas sempre se falavam por telefone.
E foi desse modo que ele lhe ligara naquela manhã para lhe dizer que sua mãe havia morrido.
Meses antes ele ligara para comunicar que dona Josepha fora internada num manicômio
judiciário após incendiar a casa da parteira Angel e que, depois, tentara matar a moça e
sua filhinha de colo.
Sua mãe finalmente conseguira enlouquecer apesar de achar que ela sempre fora louca!
Ela se lembrava de Angel mas nem sabia que ela se tornara parteira. Aliás, não sabia
nada mais sobre Vila Verde e evitara ouvir qualquer alusão aquela cidade. Nunca permitia
que seu primo falasse qualquer coisa sobre aquele lugar sempre que ele lhe telefonava. E,
da única vez em que permitira que ele falasse qualquer coisa, o azar batera-lhe na porta e
seu mundo virara de cabeça para baixo! E jurara nunca mais por os pés naquela cidade. Só
de falar sobre ela e os fantasmas do passado acabavam destruindo tudo o que ela
acreditava!
Infelizmente, Laerte não podia retornar a Vila Verde e ela tivera que ir para poder
cuidar do enterro de sua detestável mãe.
Mesmo assim, receava retornar aquele lugar. Mas seu primo a lembrara que dona Josepha
morrera e não era mais uma ameaça. Nem sua mãe e nem João Baptista, Laerte a recordara.
Ainda mais quando, mais ou menos um ano antes, ela ouvira, sem querer, que o
maldito prefeito João Baptista estava foragido por uma série de crimes apontados contra ele e contra seu cúmplice, o vice Pimentinha!
Agora aquele homem imenso a enchia de perguntas.
- Sentiu saudades de mim alguma vez nesses anos todos?
- Hã...
- Sabe há quantos anos não nos vemos?
- Eu... Hã... -
- Doze anos!
Maria de Fátima atreveu-se a olhar para ele. Parecia ainda mais alto do que era.
Também parecia mais moreno, mais forte, mais ameaçador. E ainda mais bonito! E com um ódio
tão grande que era quase palpável.
Ele era lindo! Um pecado que caminhava entre os mortais. Estava de terno escuro, azul
marinho e com uma gravata de seda por cima de uma camisa azul clara. Era
perfeito em cada centímetro daquele corpo ainda mais maravilhoso. Nunca o tinha visto de terno. Sempre usava jeans e camisetas. E, realmente era um pecado
mortal que caminhava entre os demais seres para provar que ninguém nesse mundo podia ser
algo mais que ele!
O rosto moreno, os fartos cabelos escuros, os cílios imensos, a boca carnuda e
sensual... Era exageradamente viril e a coisa mais deliciosa que ela já pudera
provar! E aqueles olhos escuros e misteriosos que combinavam com aquela voz grave e rouca
fazia o mundo desabar ao seu redor.
Aquele homem fora o amor de sua vida, o homem com quem quisera se casar, o pai de seus
filhos, dos filhos que ele rejeitara!
Será que, como ela, aprendera a refrear o mau gênio? Juntos, os dois mais pareciam uma
carga explosiva, pronta para detonar ao menor estímulo. Eram ambos voláteis, impulsivos,
briguentos... Ela melhorara um pouco, com o passar dos anos. Crescera, amadurecera e, com
isso, aprendera a engolir sapos e a calar-se quando queria explodir tudo ao seu redor.
Lembrou-se de como era bom fazer amor com ele. Seu corpo tremeu ao relembrar. Sentia
falta dele, dos braços dele, das mãos, do corpo, dos beijos dele. Não! Não ia por aquele
caminho. Ele a abandonara, trocara-a por outra e não fora ao casamento. Rejeitara o filho
que ela esperava dele. E lembrou-se de como ele a fizera sofrer.
Doze anos!
Ela sabia disso melhor do que ele. Não o esperara? Não acreditara até o último minuto
que ele a trocara por outra! Até que percebeu que ele não iria mesmo voltar para ela!
Jogara sua cartada e perdera. Perdera-o para Simone, a ex noiva, aquela que não saía nunca
do pé dele e que ele jurava não ter nada a ver com ela. No fim, trocara-a pela tal Simone,
a loura gostosona! Que ficasse com a loura aguada então! E com que direito ele falava com
ela como se ela tivesse culpa de alguma coisa? Ele trocara ela e seu filho pela loura
metida a besta, não? A loura socialite, cheia de charme, dinheiro e posição, não? E o que
ele fazia ali em Vila Verde?
Olhou em volta e viu, logo atrás dele, o carro de polícia.
- Veio naquele carro? - Ela perguntou.
Jorge del Toro pareceu momentaneamente desconcertado com a pergunta.
- Claro... - Respondeu amuado.
- Ainda é policial?
- Claro! - Agora ele parecia um tanto irritado.
- Não se tornou advogado internacional como seus pais queriam?
- Não! Ainda sou inspetor de polícia civil. Como eu sempre quis ser, aliás! Bem... Na
verdade, fui nomeado delegado há pouco tempo.
Maria de Fátima procurou esclarecer sua confusão e ordenar suas ideias dentro de sua
mente que se atrapalhava cada vez mais. Ele não desistira do casamento para se casar com
a dondoca, com aquela perua loura, cheia do dinheiro e de status?
- Não se casou com a Simone?
- Simone?
Ele parecia mais confuso que ela.
- Sua noiva loura e rica!
- O que Simone tinha a ver comigo e com você?
- Ela não largava do seu pé!
- E daí? Desde quando eu lhe disse que estava interessado em Simone?
Na verdade, ele nada dissera a esse respeito. Mas ela ligara para a casa de Simone e
ele atendera o telefone. Não precisava de mais nada! Estava claro que passara a noite com
a loura. E ainda pedira que levassem suas roupas para o apartamento da ex noiva!
Ela olhou aqueles olhos escuros que dardejavam chamas de ódio e fúria.
- Doze anos! - Ele tornou a repetir.
Por que ele batia naquela tecla de dois em dois segundos? Que direito tinha ele de lhe
falar daquele jeito como se a ameaçasse de alguma coisa. Fora ela a abandonada. Fora ela a
traída. O direito de se sentir magoada era dela e não dele! Queria que ela lhe berrasse
isso na cara como certamente ela faria se aquela conversa tivesse sido doze anos atrás?
Mas agora ela aprendera a refrear o mau gênio. E, de qualquer forma, de que aquilo
adiantaria depois de tantos anos? Aprendera, com o passar dos anos, a pensar nas
consequências de seus atos. Se explodisse para cima dele como tinha vontade, o que
aconteceria com seus filhos? Não queria que ele tomasse conhecimento da existência de suas
crianças. Ia enterrar sua mãe o mais depressa que pudesse e iria cair fora daquela cidade.
E fora uma pena ter que levar seus filhos ali. Se Lourenço não estivesse tão debilitado,
ela os teria deixado por lá com ele e com sua esposa Marilda.
- Doze anos! Faz doze anos que me deixou plantado no altar enquanto fugia com seu
amante! - Ele cuspiu as palavras por entre os dentes trincados, acentuando seu ódio em
cada uma das letras que pronunciava bem devagar para que ela as ouvisse bem.
Ele estava dizendo que ela fugira com um amante? E que ela o deixou plantado? Mas
fora ele que a trocara por outra! E que raio de amante era esse do qual ele estava falando?
Estava falando de Hélder, seu ex marido? Mas o que ele queria que ela tivesse feito?
Mas... Mas... Ele fora abandonado no altar? Como?
- Você foi a igreja? - A voz dela estava tremendo.
Ele a olhou com desprezo.
- Não era o dia do nosso casamento? Por que eu não iria? Para onde achou que eu
deveria ir?
Maria de Fátima perdeu o fôlego quando ouvira tais palavras. Era um disparate? Ele
dormira com a ex noiva, atendera o telefone no apartamento da ex quando ela ligara e ainda
mandara que ela mandasse para lá as suas roupas! Era um louco? Ou achava que aquilo era
uma despedida de solteiro que prestasse? E tivera a coragem de comparecer a cerimônia de
casamento após ter-se fartado com a ex noiva!
- Soube que teve um filho...
Ela olhou-o desconfiada. Na verdade, tivera três. E ele deveria saber disso muito bem.
Não fora ele quem os fizera?
- Um filho que nasceu morto... Ou que morreu logo depois de nascer...
Do que aquele maluco falava? depois de doze anos sem se verem, ele vinha lhe falar de
algo tão descabido! Aquilo era tão deprimente que sentiu seu corpo gelar.
- Seu filho nasceu morto e seu primo o colocou no lugar de outra criança...
Que conversa era aquela?
- Ainda vou colocar esse assunto em pratos limpos. Teve um filho e...
Naquele exato momento, Ieda, a melhor amiga de sua mãe, parou o seu carro bem diante da
casa da velha fofoqueira. Olhou para o outro lado da rua, saiu do carro e foi em direção ao casal que trocava chispas de ira!
- Ainda está aí? O que está esperando para ver o que precisa? Ande logo pois não tenho
muito tempo! - Disse aborrecida por estar ali. Se sua amiga não gostava da própria filha, por que ela teria que gostar daquela garota?
Desnorteada com o que aquele o homem lhe dissera, Fátima tentava organizar as
barbaridades que acabara de ouvir. Mas não pensava muito na história do bebê.
Pensava no comparecimento dele ao casamento. Assim, confusa, atravessou a rua com passos
lentos e trôpegos. Certamente, era mentira. Era claro que ele não fora a igreja naquele dia!
Mas, de repente, estacou. Teria que entrar naquela casa? Eram tantas as más recordações!
Não queria entrar ali e rememorar. Não queria também ter descoberto que o homem a quem
amara e que dissera não mais querer se casar com ela, fora a igreja após ter passado a
noite com a ex noiva. E que história era aquela de bebê trocado?
- Vai ou não entrar na casa de sua mãe? - Ieda perguntou de má vontade.
Ela se mostrou hesitante.
- Se não quiser entrar, não entre. Eu liguei para aquele seu primo e não sei por que
ele foi ligar para você. Não tem nada o que fazer aqui. Eu mesma posso tomar todas as
providências. Você nunca procurou saber nada sobre sua mãe. Pensamos até que você
tinha morrido!
A moça pensou um pouco. Embora o que aquele homem acabara de dizer chocara-a
profundamente, não queria ficar ali conversando com ele. Fazia muitos anos que tudo o que
houvera entre eles havia terminado. Era melhor enfrentar velhos fantasmas do que ficar
ali. E, pelo que podia ver, a amiga de sua mãe também a detestava tanto quanto ele. Era
apenas uma questão de escolher quem a detestava menos e seguir esse caminho. De qualquer
forma, a amiga de sua mãe nunca ia querer maltratar seus filhos já que nem os conheceria.
Em um minuto, Maria de Fátima acompanhava Ieda para dentro daquela casa. Certamente
era melhor enfrentar os fantasmas de sua infância, aqueles que não mais poderiam
atingi-la do que enfrentar todo aquele ódio que o homem a quem amara trazia no olhar.
Todavia, nada a preparara para a reviravolta daquela noite. Os fantasmas de seu
passado estavam todos ali, prontos para atacá-la. A ela que fugira deles aos quatorze anos
com a ajuda de seu primo Laerte. E, quinze anos depois, o fantasma de sua mãe, o fantasma
de João Baptista e a esses se somava o ódio de Jorge del Toro, agora o delegado de Vila
Verde, estavam todos ali para assombrá-la, para levá-la ao desespero e a loucura. E a maior de
todas as loucuras era ser algemada e conduzida para a cadeia, para a delegacia de polícia.
Viera para o enterro de sua mãe e acabara acusada de cometer um crime do qual nem tinha noção.
E isso importava agora? Era levada para a cadeia, justamente por Jorge del Toro, naquele momento,
acusada de ter dado dois tiros no ex prefeito João Baptista.
Ela nem podia negar tal fato. Fora encontrada, suja com o sangue ruim daquele traste e
com a arma na mão.
Se Jorge del Toro quisera destruí-la em seu profundo ódio por tê-lo abandonado no
altar, fato que ela desconhecia até aquela manhã, conseguira. Estava vingado. Levara-a, diante de toda a cidade, algemada, acabrunhada, culpada, com a cabeça baixa e os ombros caídos.
Estava tremendo de medo. O que lhe aconteceria, então? E aos seus filhos? Quem poderia
tirá-la daquela enrascada na qual se metera?
Mas, pelos comentários que podia ouvir enquanto era levada para a delegacia, a maior
parte das pessoas murmuravam que só podiam esperar tal coisa da filha da louca Josepha,
que ela chegara em Vila Verde naquela manhã com a intenção de assassinar o ex prefeito,
que era igualzinha a mãe, que não prestava, e por aí afora...
Acompanhava o delegado e dois PMs, algemada, pelas ruas daquela cidade que jurara nunca mais por os seus pés.
Por que retornara para aquele lugar maldito? E por que, com todo o medo que trazia em
seu coração, fora até a casa do ex prefeito, atendendo ao pedido da mulher e da filha daquele
crápula que lhe fora transmitido por Ieda?
E o que aconteceria com seus filhos? Estavam na pousada, alheios a qualquer tragédia
que pudesse ocorrer e não podia falar ao delegado da cidade sobre suas crianças. Sabia bem
o que ele podia fazer com seus filhos. Não vira como seu ex marido os tratara? Não podia
expor seus filhos novamente aos maustratos de outro homem. Afinal, Jorge del Toro lhe jogara na cara que ela estava grávida de outro homem!
A quem poderia pedir ajuda?
Série Cowboys do Vale 12 - Amor Eterno Amor
capitulo 1
O carro da polícia civil estava dando mais uma volta ao redor do quarteirão. O que ele
procurava? O que ele esperava ver? Já era meio dia e ele nada fizera até aquela hora alémde dar voltas e mais voltas no mesmo lugar. A essa hora, já teria trabalhado bastante,
colocado todos os assuntos em dia e ficaria a espera de alguma eventualidade. Todavia,
naquele momento, sua cabeça nada mais tinha além da necessidade de vê-la.
Tinha de vê-la! Esperara por muitos anos mas agora não tinha mais como esperar. Estava
ansioso, nervoso, irritado. Se ela não viesse, morreria.
Quantas voltas já dera ao redor daquele quarteirão esperando vê-la de alguma forma?
Dez? Doze? Quinze? Não sabia. Perdera a conta! Só sabia que ia morrer de tanta angústia!
E quem acreditaria se ele dissesse que o delegado da cidade morrera por que não
conseguia mais esperar pelo momento em que a veria outra vez?
Sorriria com seus botões se não estivesse se sentindo o mais amargurado dos homens! E
fora ela quem lhe pusera aquele gosto amargo na vida e na alma. E ia fazer com que ela
pagasse cada dia em que sofrera, em que esperara por uma notícia, por uma resposta as suas
indagações!
"Oh, Deus!" Lá estava ela! Do mesmo jeito que ainda se lembrava. Com aqueles cabelos da cor de
amoras maduras. Esbelta, com as curvas mais estonteantes do mundo! A mulher que ele tanto amara um dia e que agora odiava de todo o coração!
Parou o carro a quinze metros dela. Tinha bons olhos. Dali podia observá-la nos
mínimos detalhes. E relembrar a ofensa que ela lhe fizera, a vergonha que o fizera passar,
a traição que lhe jogara nas costas.
Mas o que ela fazia ali? Estava em pé, do outro lado da rua, em frente a casa na qual
deveria entrar. Por que estava ali e não atravessava a rua e entrava na casa?
Estava na calçada oposta a sua casa, olhando para a propriedade como se aquela
construção fosse lhe saltar em cima.
Parecia temerosa em entrar na própria casa!
Por que?
E quem lhe avisara do que ocorrera? Certamente fora o salafrário do primo. Deviam
manter contato. Se assim fosse, ela devia saber que ele, o homem a quem ela humilhara
diante de todos, acabara se tornando policial naquela cidade. Fora para lá, a
procura dela pois se lembrava que, apenas uma única vez ela lhe falara que nascera ali.
Ele fora até lá em busca de notícias dela pois, embora estivessem para se casar ele
nada sabia do passado dela.
E qual não fora a sua surpresa ao saber que ela fugira de casa aos quatorze anos, que
não valia nada, segundo o que ouvira da boca de sua própria mãe.
E logo soubera que além de ser a filha odiada de uma mulher a quem todos naquela
cidade detestavam, ainda era prima daquele mau caráter que ele ansiava em colocar atrás
das grades um dia!
Sentado na viatura policial, ele segurava o volante com tanta força que seus dedos
estavam brancos. O ódio que escapava de seus olhos eram como labaredas de fogo.
Jorge del Toro observava a mulher que um dia, o abandonara no altar, diante de todos os
seus amigos da polícia, diante de sua família, para fugir com outro homem!
Por anos, desejara encontrá-la para matá-la com suas próprias mãos pela vergonha que o
fizera passar.
Depois, quisera encontrá-la para fazer com que ela sentisse a mesma dor que ele
sentira ao se ver desprezado, rejeitado diante de todos.
Aquela mulher maldita zombara de seu amor, rira dele, colocara-o num papel ridículo
onde ele tivera que dar milhares de explicações para um bando de colegas que riam dele por
dentro e por fora!
Fora a piada da delegacia de polícia por dias, semanas... E seria por meses se não
houvesse surgido uma vaga para trabalhar justamente na cidade onde aquela vadia
desclassificada nascera e se criara.
Não perdera aquela chance, embora soubesse que seria o único policial a trabalhar
naquela cidade. Sabia que seria o responsável pela delegacia e que teria que trabalhar em
dobro, talvez até três vezes mais para poder manter a ordem numa cidade de cunho turístico
e com a ajuda de apenas quatro policiais militares.
E fora bastante difícil. Há anos não sabia o que era uma boa noite de sono. O trabalho
o despertava a qualquer momento e ele tinha que estar presente nos mais diferentes
lugares, nos mais diferentes horários.
Era o único responsável por manter a lei e a ordem numa cidade pequena mas que recebia,
diariamente, o triplo de sua população em visitantes, não importando em que estação do ano
estivessem..
Os turistas corriam para aquela cidade, fosse inverno, para desfrutar do clima de
montanha ou fosse verão, para poderem usufruir das mais diversas atrações que aquele lugar
de beleza ímpar podia oferecer.
E assim fincara raízes ali. Batera de frente com os grandes nomes do lugar. E jamais
pestanejara em colocar os ricos da cidade atrás das grades quando fora preciso.
Apesar disso, acabara se tornando amigo de alguns deles. E os tinha em alta conta.
Entretanto, esperara pacientemente por longos doze anos pelo dia em que veria aquela mulher
outra vez e a faria pagar por toda a humilhação que ela o fizera passar!
Por mais que tentasse esquecer, dar a volta por cima, não conseguia se livrar do calor
de ira e ódio, de vergonha e humilhação que sentira ao ver vários pares de olhos fitando-o
enquanto ele permanecia, por horas, em pé, naquele altar, esperando por aquela maldita
mulher que nem mesmo lhe mandara avisar que não iria até a igreja onde ele e seus colegas
da polícia aguardavam pela cerimônia de casamento.
E agora ela estava ali, de pé, a poucos metros dele, olhando para a casa que era de
sua mãe, que morrera no dia anterior.
E por que ela não atravessava a rua e entrava na casa?
Por que ela ficava ali, de pé, ao lado de seu carro, olhando e olhando para a casa
como se estivesse com medo de entrar ali?
Estaria com medo de alguma coisa? E de que ela sentia medo?
Abriu a porta do carro e saiu lentamente. Tinha que confrontá-la. Não podia esperar
mais por isso. A espera até agora fora lenta e dolorida demais para que ele se
compadecesse dela naquele momento de dor.
Ela se fora de Vila Verde há muitos anos. Ele só soubera que ela nascera e crescera
ali por que um dia ela lhe falara de sua cidade, mas logo se arrependeu do que lhe
contara. E nem mesmo dissera nada de relevante.
- Eu nasci num lugar muito bonito. É tão bonito que muitos turistas vão para lá para
se banharem em suas piscinas de água natural... Um dia, aquele lugar vai ficar muito
famoso. - Ela dissera num dos poucos momentos em que conseguia relaxar. Na verdade, ela
estava sempre tensa, sempre esperando que alguém surgisse de algum lugar e a levasse
embora. Se sobressaltava a todo momento. Seu olhar sempre estava a espreita, procurando
alguém que podia se esconder nas sombras. Nunca entendera aquela atitude de alerta embora
fosse um policial com bastante experiência. E, somente naquele momento, tantos anos depois
ele se dava conta de que ela parecia estar sempre com medo de alguma coisa. Exatamente
como a atitude que demonstrava agora, olhando aterrorizada para a casa onde nascera. E
então se perguntou por que ela nunca falava de sua cidade, de sua família, de sua casa, de
nada sobre o lugar onde se criara. Exceto naquele dia e mesmo assim, ela parecera
arrepender-se de ter dito algo sobre sua cidade natal.
- Ah, é? - Ele perguntara sem se dar conta de que era a primeira vez que ela falava de
si, de sua vida. Somente aquela palavrinhas e ele, nem assim, notara qualquer coisa de
anormal. - E onde fica esse encanto de lugar?
- Sou de Vila Verde! - Ela dissera deixando transparecer todo o arrependimento de ter
dito algo que pudesse revelar algo sobre si mesma. E nem assim, ele fora capaz de perceber
algo de estranho naquela conversa, naquela tão pequena informação.
- Vila Verde? E onde fica isso? - Perguntara por perguntar, sem nenhum interesse.
- Vou tomar um suco... quer? - Ela trocara de tema e ele nem percebera.
- Quero sim... - E aquela conversa morrera ali.
Saiu do carro mas não deu nenhum passo na direção da mulher. Estava atônito consigo
mesmo por nunca ter parado para pensar na mulher a quem tanto amava como um ser
com uma vida antes dele! Jorge del Toro se sentiu agredido por aquela omissão em seu
passado. Aquelas lembranças o fizeram recuar. Como pudera amar tanto a uma mulher e não
procurar saber nada sobre sua vida, sua infância, seus pais, sua adolescência?
E agora via claramente como jamais se mostrara interessado em nada sobre a mulher
a quem amava. Bastava tê-la ao seu lado, com seu jeito reservado...
Reservado? Tirando esse medo que ela trazia no olhar e que ele nunca tivera a
capacidade de desvendar ou ao menos, de se interessar em desvendar, ela era um barril de
pólvora pronto para explodir por qualquer coisa. Era geniosa, briguenta, impulsiva,
passional. E esse temperamento volátil da mulher a quem amava o tirava do sério mas também
fazia com que o mundo girasse única e exclusivamente ao redor dela.
Ela era seu mundo, sua vida, seu destino. E quando ela o deixara plantado no altar,
esperando que ela surgisse a qualquer momento pela porta da igreja, ficara doente. Ela
jamais entrara. E somente duas horas e meia depois, sua mãe fora até ele e dissera-lhe que ela não viria, que fugira, que se fora com o amante.
Até aquele momento não sabia explicar por que fizera questão de esperar por ela naquele altar.
Até o padre desistira de esperar e se fora. Mas ele permanecera ali, duro feito uma
estaca, com a vã esperança de que ela surgiria a qualquer momento naquela porta de
entrada. Para se casar com ele! Para ser dele para sempre!
E ele quis morrer de vergonha e de tristeza quando percebeu que ela não ia mesmo
entrar pela porta da igreja, que ele não descobriria como era o vestido de noiva do qual
ela tanto falara com ele que acabara deixando-o curioso, louco para vê-la de branco, de
véu, com sua aliança em seu dedo, mostrando a todos que ela era somente dele e de mais
nenhum outro!
Era até engraçado se lembrar, como se tudo tivesse acontecido no dia anterior, que ele
se fixara no vestido que ela usaria. Fantasiara, em sua mente, milhares de modelos e em
cada um deles, a sua satisfação em despir-lhe aquele amontoado de renda, seda ou fosse lá
o que fosse. E imaginava-se tirando-lhe o véu. Todavia, mal entendera que ela se fora, possivelmente
com outro, o ódio que o consumiu fora o suficiente para que ele não pensasse em mais nada
a não ser em fazê-la sentir toda aquela dor que ele sentia ao perdê-la, ao ser abandonado
e rejeitado, ao ser consciente de que sem ela a vida não tinha a menor razão de ser
vivida.
E ele vivera até agora alimentado pelo ódio de que um dia ela acabaria aparecendo em
Vila Verde para visitar sua odiosa mãe. Por doze anos alimentara-se de ódio, de desejo de
vingança, de dor, de auto compaixão.
Justamente naquela cidade onde ele vira a felicidade estampada no rosto de muitos
casais que agora eram seus amigos. Todos pareciam felizes e ele sabia que jamais seria
como eles pois a única mulher que poderia fazê-lo feliz agora pertencia a outro homem!
Mas o seu momento chegara. Ia ficar esperando em seu carro olhando para ela até quando. Tinha
que se aproximar, falar com ela e se controlar pois sentia todo o corpo tremer, sentia
suas longas e musculosas pernas como gelatina, sentia seu coração batendo feito louco em
seu peito e sentia que se não se esforçasse além da conta, nem conseguiria balbuciar
qualquer som. Não ia pagar o mico de gaguejar, ficar sem voz e nem de falar com dificuldades,
por causa da emoção. Era um homem de um metro e noventa e dois centímetros, cem quilos, forte como touro e não ia deixar que aquela mulher percebesse o quanto ele estava vulnerável ao
revê-la depois de tantos anos. Tinha que se concentrar na dor que ela lhe causara, na
vergonha que ela o fizera passar, na traição dela, de deixá-lo no altar esperando por
uma mulher vulgar que o trocara por outro e que fugira dele!
"Vadia!" Disse entre os dentes e foi na direção dela.
- Oi... Lembra-se de mim? - Ele disse satisfeito por sua voz sair naturalmente de seus
lábios. Afinal, dissera aquela frase tantas vezes para si mesmo que acabaram saindo
displicentemente, como se tivessem vida própria ou como se estivessem mesmo esperando, como
ele, por aquele momento.
E saboreou, tanto o que dissera quanto o pavor nos olhos dela, naqueles olhos cinza
esverdeados, vitória. E viriam muitas! Ela pagaria todo o mal que lhe causara. Choraria lágrimas de sangue. E, talvez, nem assim ele se sentiria vingado!
Ela se virou lentamente ao ouvir aquela voz de seu passado. Aquela voz grave e rouca,
quase cavernosa e ao mesmo tempo, terrivelmente sensual quando sussurrava palavras de amor
em seus ouvidos. Mas que também sabiam agredir, magoar, machucar, flagelar como nenhuma
outra!
O nome dele ficara preso em sua garganta ao vê-lo, tão imponente, a poucos centímetros
de si.
O que Jorge Luiz del Toro fazia em Vila Verde? Como o destino o colocara em seu
caminho depois de doze anos? O que aquele homem fazia justamente na cidade onde ela
nascera e crescera? Como fora parar ali?
Lembrou-se imediatamente de seus filhos. Ele nada sabia sobre as crianças. Ou sabia? E
seria pelas crianças que estava ali? Soubera que dera à luz? Será que ele se lembrava que
a humilhara, que renegara o filho que ela trazia em seu ventre? Ele ainda se recordava de
que a expulsara de sua vida, que a mandara embora na véspera de seu casamento, dizendo que
aquele filho que ela esperava não era dele e que, no fim, a trocara por outra? E agora o que ele queria? O que fazia ali diante dela?
- Está surpresa em me ver?
Ela não conseguia emitir nenhum som por mais que o tentasse. Sua mente tentava
encontrar explicações para a presença dele ali. Teria sido Laerte que o contatara? Mas
Laerte nada sabia dele! Soubera apenas que ela iria se casar mas não sabia com quem!
- Não vai me dizer que está feliz em me encontrar aqui na sua cidade natal?
- Eu... Eu... - Ela se esforçava mas não conseguia coordenar seus pensamentos. Só
conseguia pensar nas crianças. Em nada mais.
- Como soube da morte de sua mãe?
"Mãe?" Ah, sim! Sua mãe morrera! Laerte, seu primo lhe comunicara. Estava ligando para
lhe dizer que dona Josepha tinha morrido numa espécie de hospício.
Desde que saíra de Vila Verde, com a ajuda de seu primo e da madame Vartan, aos quatorze anos, que ela nunca mais pusera os pés naquela cidade. Mas, de uma forma ou outra, Laerte, seu
primo, quase irmão, estava sempre em contato com ela. Ele também acabara fugindo de Vila
Verde, pois acabara cometendo algumas loucuras em nome de um amor não correspondido.
Todavia, mesmo sendo mau para outras pessoas, fora bom para ela. E a livrara daquela mãe
venenosa e doentia.
Nunca pudera compreender como uma mãe podia ser tão cruel e desumana quanto a sua. No
fim, tinha tanto pavor de sua própria mãe que Laerte, seu primo e queridinho sobrinho de
dona Josepha, acabara se tornando seu fiel defensor. E era até de se estranhar pois Laerte
não primava pela integridade de caráter. Entretanto, não medira esforços para mantê-la o
mais distante possível de sua mãe e dos interesses doentios que aquela mulher demonstrava!
No entanto, estranhara quando o próprio primo, apesar de mostrar pela madame
Jacqueline Vartan o mesmo desdém e desprezo que dona Josepha, acabara pedindo que a dona
do bordel cuidasse de sua prima para que dona Josepha jamais soubesse onde a garota
pudesse estar. Pedira mesmo a mulher que a levasse para longe de Vila Verde.
E fora muito estranho acompanhar seu primo, numa noite sem luar, até a boate, onde
Jacqueline Vartan a aguardava, com os olhos bastante desconfiados, tanto dela quanto daquele rapaz. Afinal, não fazia nem uma semana o próprio Laerte Medeiros acompanhara sua tia e uma porção de mulheres indignadas,
e homens contritos, com tochas, paus e pedras, na vã tentativa de incendiar a boate Le Mirage, gritando que aquele lugar era um antro de perdição e que deveria ser eliminado da face da terra!
Era assim que dona Josepha, a mãe de Maria de Fátima sempre agia quando o assunto era
a boate Le Mirage e o casal Jacqueline e Jean Pierre Vartan.
Então, como Laerte, seu primo metido a agradar a tia acima de tudo, acima até da
própria mãe, fora agir de forma tão contrária? Queria que sua prima se tornasse uma
prostituta naquela boate? Mas era claro que não era isso. Ouvira quando ele fizera questão
de ouvir dos lábios da madame que a levaria para longe.
- Sabe como é, né madame? Se minha tia descobre que a senhora a mantém aqui, poderá
vir com tudo contra a senhora e eu não quero nada disso...
- Como não, Laerte? Sempre acompanha sua tia em tudo o que ela faz!
- Sei disso, madame... Mas não quero que algo saia errado e minha prima esteja entre
suas protegidas, caso isso venha a acontecer. Além disso, as ameaças de minha tia nunca
passam de fanfarrice. Faz tempo que ela vem tentando acabar com o Le Mirage e o que ela
conseguiu até agora? Ela mais ladra do que morde! E nem de longe desconfia que tirei
a Fátima de casa. Mas não quero que ela continue ali... Não é saudável para ela, a senhora
sabe bem o porque!
A madame sabia. E assentira. Mas ela mesma não sabia de muita coisa. Sabia da maldade
que sua mãe queria lhe impor. Aquela mulher que gritava aos quatro cantos a sua bondade, a
sua integridade, a sua honestidade e quase gritava aos quatro cantos a sua santidade!
Na verdade, não sabia por que aquela mulher queria que ela fizesse aquelas coisas que
mãe alguma obrigaria a uma filha de treze, quatorze anos a fazer.
Ela e o primo fizeram questão, ao longo dos anos, de manterem o contato. Laerte era a única pessoa
que ela tivera no mundo e que cuidara dela. Adorava o primo como se fosse um irmão
adorado. Infelizmente, quase nunca se viam, mas sempre se falavam por telefone.
E foi desse modo que ele lhe ligara naquela manhã para lhe dizer que sua mãe havia morrido.
Meses antes ele ligara para comunicar que dona Josepha fora internada num manicômio
judiciário após incendiar a casa da parteira Angel e que, depois, tentara matar a moça e
sua filhinha de colo.
Sua mãe finalmente conseguira enlouquecer apesar de achar que ela sempre fora louca!
Ela se lembrava de Angel mas nem sabia que ela se tornara parteira. Aliás, não sabia
nada mais sobre Vila Verde e evitara ouvir qualquer alusão aquela cidade. Nunca permitia
que seu primo falasse qualquer coisa sobre aquele lugar sempre que ele lhe telefonava. E,
da única vez em que permitira que ele falasse qualquer coisa, o azar batera-lhe na porta e
seu mundo virara de cabeça para baixo! E jurara nunca mais por os pés naquela cidade. Só
de falar sobre ela e os fantasmas do passado acabavam destruindo tudo o que ela
acreditava!
Infelizmente, Laerte não podia retornar a Vila Verde e ela tivera que ir para poder
cuidar do enterro de sua detestável mãe.
Mesmo assim, receava retornar aquele lugar. Mas seu primo a lembrara que dona Josepha
morrera e não era mais uma ameaça. Nem sua mãe e nem João Baptista, Laerte a recordara.
Ainda mais quando, mais ou menos um ano antes, ela ouvira, sem querer, que o
maldito prefeito João Baptista estava foragido por uma série de crimes apontados contra ele e contra seu cúmplice, o vice Pimentinha!
Agora aquele homem imenso a enchia de perguntas.
- Sentiu saudades de mim alguma vez nesses anos todos?
- Hã...
- Sabe há quantos anos não nos vemos?
- Eu... Hã... -
- Doze anos!
Maria de Fátima atreveu-se a olhar para ele. Parecia ainda mais alto do que era.
Também parecia mais moreno, mais forte, mais ameaçador. E ainda mais bonito! E com um ódio
tão grande que era quase palpável.
Ele era lindo! Um pecado que caminhava entre os mortais. Estava de terno escuro, azul
marinho e com uma gravata de seda por cima de uma camisa azul clara. Era
perfeito em cada centímetro daquele corpo ainda mais maravilhoso. Nunca o tinha visto de terno. Sempre usava jeans e camisetas. E, realmente era um pecado
mortal que caminhava entre os demais seres para provar que ninguém nesse mundo podia ser
algo mais que ele!
O rosto moreno, os fartos cabelos escuros, os cílios imensos, a boca carnuda e
sensual... Era exageradamente viril e a coisa mais deliciosa que ela já pudera
provar! E aqueles olhos escuros e misteriosos que combinavam com aquela voz grave e rouca
fazia o mundo desabar ao seu redor.
Aquele homem fora o amor de sua vida, o homem com quem quisera se casar, o pai de seus
filhos, dos filhos que ele rejeitara!
Será que, como ela, aprendera a refrear o mau gênio? Juntos, os dois mais pareciam uma
carga explosiva, pronta para detonar ao menor estímulo. Eram ambos voláteis, impulsivos,
briguentos... Ela melhorara um pouco, com o passar dos anos. Crescera, amadurecera e, com
isso, aprendera a engolir sapos e a calar-se quando queria explodir tudo ao seu redor.
Lembrou-se de como era bom fazer amor com ele. Seu corpo tremeu ao relembrar. Sentia
falta dele, dos braços dele, das mãos, do corpo, dos beijos dele. Não! Não ia por aquele
caminho. Ele a abandonara, trocara-a por outra e não fora ao casamento. Rejeitara o filho
que ela esperava dele. E lembrou-se de como ele a fizera sofrer.
Doze anos!
Ela sabia disso melhor do que ele. Não o esperara? Não acreditara até o último minuto
que ele a trocara por outra! Até que percebeu que ele não iria mesmo voltar para ela!
Jogara sua cartada e perdera. Perdera-o para Simone, a ex noiva, aquela que não saía nunca
do pé dele e que ele jurava não ter nada a ver com ela. No fim, trocara-a pela tal Simone,
a loura gostosona! Que ficasse com a loura aguada então! E com que direito ele falava com
ela como se ela tivesse culpa de alguma coisa? Ele trocara ela e seu filho pela loura
metida a besta, não? A loura socialite, cheia de charme, dinheiro e posição, não? E o que
ele fazia ali em Vila Verde?
Olhou em volta e viu, logo atrás dele, o carro de polícia.
- Veio naquele carro? - Ela perguntou.
Jorge del Toro pareceu momentaneamente desconcertado com a pergunta.
- Claro... - Respondeu amuado.
- Ainda é policial?
- Claro! - Agora ele parecia um tanto irritado.
- Não se tornou advogado internacional como seus pais queriam?
- Não! Ainda sou inspetor de polícia civil. Como eu sempre quis ser, aliás! Bem... Na
verdade, fui nomeado delegado há pouco tempo.
Maria de Fátima procurou esclarecer sua confusão e ordenar suas ideias dentro de sua
mente que se atrapalhava cada vez mais. Ele não desistira do casamento para se casar com
a dondoca, com aquela perua loura, cheia do dinheiro e de status?
- Não se casou com a Simone?
- Simone?
Ele parecia mais confuso que ela.
- Sua noiva loura e rica!
- O que Simone tinha a ver comigo e com você?
- Ela não largava do seu pé!
- E daí? Desde quando eu lhe disse que estava interessado em Simone?
Na verdade, ele nada dissera a esse respeito. Mas ela ligara para a casa de Simone e
ele atendera o telefone. Não precisava de mais nada! Estava claro que passara a noite com
a loura. E ainda pedira que levassem suas roupas para o apartamento da ex noiva!
Ela olhou aqueles olhos escuros que dardejavam chamas de ódio e fúria.
- Doze anos! - Ele tornou a repetir.
Por que ele batia naquela tecla de dois em dois segundos? Que direito tinha ele de lhe
falar daquele jeito como se a ameaçasse de alguma coisa. Fora ela a abandonada. Fora ela a
traída. O direito de se sentir magoada era dela e não dele! Queria que ela lhe berrasse
isso na cara como certamente ela faria se aquela conversa tivesse sido doze anos atrás?
Mas agora ela aprendera a refrear o mau gênio. E, de qualquer forma, de que aquilo
adiantaria depois de tantos anos? Aprendera, com o passar dos anos, a pensar nas
consequências de seus atos. Se explodisse para cima dele como tinha vontade, o que
aconteceria com seus filhos? Não queria que ele tomasse conhecimento da existência de suas
crianças. Ia enterrar sua mãe o mais depressa que pudesse e iria cair fora daquela cidade.
E fora uma pena ter que levar seus filhos ali. Se Lourenço não estivesse tão debilitado,
ela os teria deixado por lá com ele e com sua esposa Marilda.
- Doze anos! Faz doze anos que me deixou plantado no altar enquanto fugia com seu
amante! - Ele cuspiu as palavras por entre os dentes trincados, acentuando seu ódio em
cada uma das letras que pronunciava bem devagar para que ela as ouvisse bem.
Ele estava dizendo que ela fugira com um amante? E que ela o deixou plantado? Mas
fora ele que a trocara por outra! E que raio de amante era esse do qual ele estava falando?
Estava falando de Hélder, seu ex marido? Mas o que ele queria que ela tivesse feito?
Mas... Mas... Ele fora abandonado no altar? Como?
- Você foi a igreja? - A voz dela estava tremendo.
Ele a olhou com desprezo.
- Não era o dia do nosso casamento? Por que eu não iria? Para onde achou que eu
deveria ir?
Maria de Fátima perdeu o fôlego quando ouvira tais palavras. Era um disparate? Ele
dormira com a ex noiva, atendera o telefone no apartamento da ex quando ela ligara e ainda
mandara que ela mandasse para lá as suas roupas! Era um louco? Ou achava que aquilo era
uma despedida de solteiro que prestasse? E tivera a coragem de comparecer a cerimônia de
casamento após ter-se fartado com a ex noiva!
- Soube que teve um filho...
Ela olhou-o desconfiada. Na verdade, tivera três. E ele deveria saber disso muito bem.
Não fora ele quem os fizera?
- Um filho que nasceu morto... Ou que morreu logo depois de nascer...
Do que aquele maluco falava? depois de doze anos sem se verem, ele vinha lhe falar de
algo tão descabido! Aquilo era tão deprimente que sentiu seu corpo gelar.
- Seu filho nasceu morto e seu primo o colocou no lugar de outra criança...
Que conversa era aquela?
- Ainda vou colocar esse assunto em pratos limpos. Teve um filho e...
Naquele exato momento, Ieda, a melhor amiga de sua mãe, parou o seu carro bem diante da
casa da velha fofoqueira. Olhou para o outro lado da rua, saiu do carro e foi em direção ao casal que trocava chispas de ira!
- Ainda está aí? O que está esperando para ver o que precisa? Ande logo pois não tenho
muito tempo! - Disse aborrecida por estar ali. Se sua amiga não gostava da própria filha, por que ela teria que gostar daquela garota?
Desnorteada com o que aquele o homem lhe dissera, Fátima tentava organizar as
barbaridades que acabara de ouvir. Mas não pensava muito na história do bebê.
Pensava no comparecimento dele ao casamento. Assim, confusa, atravessou a rua com passos
lentos e trôpegos. Certamente, era mentira. Era claro que ele não fora a igreja naquele dia!
Mas, de repente, estacou. Teria que entrar naquela casa? Eram tantas as más recordações!
Não queria entrar ali e rememorar. Não queria também ter descoberto que o homem a quem
amara e que dissera não mais querer se casar com ela, fora a igreja após ter passado a
noite com a ex noiva. E que história era aquela de bebê trocado?
- Vai ou não entrar na casa de sua mãe? - Ieda perguntou de má vontade.
Ela se mostrou hesitante.
- Se não quiser entrar, não entre. Eu liguei para aquele seu primo e não sei por que
ele foi ligar para você. Não tem nada o que fazer aqui. Eu mesma posso tomar todas as
providências. Você nunca procurou saber nada sobre sua mãe. Pensamos até que você
tinha morrido!
A moça pensou um pouco. Embora o que aquele homem acabara de dizer chocara-a
profundamente, não queria ficar ali conversando com ele. Fazia muitos anos que tudo o que
houvera entre eles havia terminado. Era melhor enfrentar velhos fantasmas do que ficar
ali. E, pelo que podia ver, a amiga de sua mãe também a detestava tanto quanto ele. Era
apenas uma questão de escolher quem a detestava menos e seguir esse caminho. De qualquer
forma, a amiga de sua mãe nunca ia querer maltratar seus filhos já que nem os conheceria.
Em um minuto, Maria de Fátima acompanhava Ieda para dentro daquela casa. Certamente
era melhor enfrentar os fantasmas de sua infância, aqueles que não mais poderiam
atingi-la do que enfrentar todo aquele ódio que o homem a quem amara trazia no olhar.
Todavia, nada a preparara para a reviravolta daquela noite. Os fantasmas de seu
passado estavam todos ali, prontos para atacá-la. A ela que fugira deles aos quatorze anos
com a ajuda de seu primo Laerte. E, quinze anos depois, o fantasma de sua mãe, o fantasma
de João Baptista e a esses se somava o ódio de Jorge del Toro, agora o delegado de Vila
Verde, estavam todos ali para assombrá-la, para levá-la ao desespero e a loucura. E a maior de
todas as loucuras era ser algemada e conduzida para a cadeia, para a delegacia de polícia.
Viera para o enterro de sua mãe e acabara acusada de cometer um crime do qual nem tinha noção.
E isso importava agora? Era levada para a cadeia, justamente por Jorge del Toro, naquele momento,
acusada de ter dado dois tiros no ex prefeito João Baptista.
Ela nem podia negar tal fato. Fora encontrada, suja com o sangue ruim daquele traste e
com a arma na mão.
Se Jorge del Toro quisera destruí-la em seu profundo ódio por tê-lo abandonado no
altar, fato que ela desconhecia até aquela manhã, conseguira. Estava vingado. Levara-a, diante de toda a cidade, algemada, acabrunhada, culpada, com a cabeça baixa e os ombros caídos.
Estava tremendo de medo. O que lhe aconteceria, então? E aos seus filhos? Quem poderia
tirá-la daquela enrascada na qual se metera?
Mas, pelos comentários que podia ouvir enquanto era levada para a delegacia, a maior
parte das pessoas murmuravam que só podiam esperar tal coisa da filha da louca Josepha,
que ela chegara em Vila Verde naquela manhã com a intenção de assassinar o ex prefeito,
que era igualzinha a mãe, que não prestava, e por aí afora...
Acompanhava o delegado e dois PMs, algemada, pelas ruas daquela cidade que jurara nunca mais por os seus pés.
Por que retornara para aquele lugar maldito? E por que, com todo o medo que trazia em
seu coração, fora até a casa do ex prefeito, atendendo ao pedido da mulher e da filha daquele
crápula que lhe fora transmitido por Ieda?
E o que aconteceria com seus filhos? Estavam na pousada, alheios a qualquer tragédia
que pudesse ocorrer e não podia falar ao delegado da cidade sobre suas crianças. Sabia bem
o que ele podia fazer com seus filhos. Não vira como seu ex marido os tratara? Não podia
expor seus filhos novamente aos maustratos de outro homem. Afinal, Jorge del Toro lhe jogara na cara que ela estava grávida de outro homem!
A quem poderia pedir ajuda?
Série Cowboys do Vale 12 - Amor Eterno Amor
Para ouvir minhas Historinhas no Telegramhttps://t.me/+WRfH_ByCV2g5NGQx
( Se você já tem o TELEGRM instalado, basta clicar no quadrinho para ele abrir em seu pc ou celular)
linda história!
ResponderExcluirGostei de conhecer a série. O mais interessante é acompanhar o desenvolvimento da trama dos personagens que aparecem em todos os romances, especialmente o grupo de mulheres e seus respectivos maridos, filhos, famílias. Gostei particularmente da história da Evelyn, da Beatriz e da Cecília. E é a cada novo romance a curiosidade me faz esperar vê-los e saber o que aconteceu com eles, se já tiveram novos filhos, se tem alguma novidade... Como um novela para seguir capítulo a capítulo...
ResponderExcluirMinha sugestão é que tome cuidado com a revisão de ortografia e gramática e com nomes dos personagens, no livro sobre Angel e o doutor Reys, você chamou o filho deles de Ramon e é Alessandro (pelo menos na versão do Scribd).
Aguardo o próximo Cowboys do Vale... já que há uma geração de jovens que pode ser protagonista dos novos livros...
Parabéns pela idéia de criar romance sendo uma cidade no Brasil mas com os elementos dos romances que acontecem em outros países...
Uia, gostei do seu blog!
ResponderExcluirVou acompanhar!
http://laviniaravison.blogspot.com.br/