Resumo: Ele, por causa de sua história de vida, era descrente de tudo. Ela, pelo mesmo motivo,
vivia num mundo de deuses e fadas. Nada tinham em comum. Ele, irritadiço, mal humorado,quase feroz. Ela, doce, meiga, preocupada com o bem estar de todos. E ambos se detestavam.
Mas ele acabou por precisar da ajuda dela. Tinha um bebê para criar que havia sido
colocado em suas mãos e ele nem sabia o que fazer com aquela criança. E ninguém estava
disposto a lhe estender a mão. Até trocavam de calçada quando o vinham caminhando pelas
ruas!
capitulo 1
Emanuel Reys era conhecido pelo seu contagioso mau humor que afastava todo e qualquer ser humano que tentasse se
aproximar. Ninguém, naquela cidadezinha de fim de mundo ousava até mesmo cumprimentá-lo
quando cruzava, por acaso, com ele pelas ruas. Exceto nos momentos em que ele estava
atendendo um paciente. Nessas horas, ele se transformava de ogro comedor de criancinhas
numa pessoa que, embora distante, deixava claro que se preocupava com o bem estar de que
viesse consultá-lo.
Mas qualquer um que nunca o consultara antes, morria de medo de entrar em seu
consultório pela primeira vez já que sua fama de grosso, rude, bruto, brabo, intolerante,
impaciente e outros atributos igualmente desagradáveis o precedia.
O pior era que ele era o único médico daquela cidade. Bem, na verdade havia a esposa
do prefeito e a filha deste mas as duas jamais compareciam ao posto de trabalho e que
deveria ser o hospital da cidade, caso o prefeito não tivesse embolsado toda a verba que
recebera para construir o prometido hospital de primeiro mundo!
Dessa forma, querendo ou não, alguns moradores de Vila Verde eram obrigados, de vez em
quando, a ficar cara a cara com o doutor Reys e ouvir seus diagnósticos que saiam por
entre os dentes.
Naquela manhã, o mau humor do médico parecia que explodiria em cima da primeira
pessoa que ele encontrasse.
- Próximo! - Sibilou fazendo uma careta. Por que era médico? Detestava atender aquelas
pessoa todo santo dia! Por que aqueles malditos laboratórios não inventavam logo um
remédio que curasse todo e qualquer mal? assim ele não teria que se sentar ali e ouvir um
monte de baboseiras todo santo dia! E a maioria das pessoas nem estavam doentes! Tinham
mania de doença, principalmente os velhos.
E por que ainda iam a sua procura? Sabiam que ele estava sempre mal humorado, que
praticamente nem as ouvia direito e lhes receitaria um remedinho qualquer que não servia
para nada apenas para deixá-las satisfeitas consigo mesmas por que realmente o médico
constatara que elas precisam de algum medicamento.
E quando os ruídos das conversas na sala de espera chegavam aos seus ouvidos? Pareciam
que estarem doentes os tornavam importantes. Assim, competiam para ver quem fizera mais
exames, quem fora operado mais vezes, quem tinha a pressão mais alta, quem fora
safenado,
quem enfartara, quem perdera mais amigos e por aí afora. E ele sabia que ao chegarem em
casa, iam exibir o pedido de exame como se fossem uns coitadinhos que precisavam que
comentassem por horas, o seu mal.
Mal percebiam que os familiares nem estavam tão preocupados com eles como pensavam e,
que, mal viravam as costas, todo aquele catatau de doenças e exames pedidos pelo médico
eram esquecidos!
Mas aquela fora a sua promessa e a cumpriria custasse o que custasse. Nunca ia mandar
um paciente de volta sem que o tivesse ouvido, dado conselhos, receitado alguns remedinhos
mesmo que não servissem para nada e talvez até pedisse alguns exames, especialmente se o
doente nada tivesse mas se sentisse melhor assim!
Era o mínimo que podia fazer por aquelas pessoas que precisavam tanto de atenção! E,
em muitos casos, de cuidados!
Entretanto, havia um espinho atravessado em sua garganta há muitos anos, desde que ali
chegara. A hippie Angel! A bruxa Angel! A parteira Angel! Não importava o adjetivo que
usavam para descrevê-la. Era a Angel que o incomodava! A doce, meiga, serena e tranquila
Angel.
A tal mulherzinha se metia em seus diagnósticos receitando chazinhos para aquele bando
de gente crédula nas feitiçarias daquela hiponga que se auto denominava de parteira.
E esse era um outro espinho em sua garganta. Nenhuma mulher de Vila Verde ia ter seus
filhos com ele! Todas, sem exceção, iam parir suas crias com aquela bruxa disfarçada de
mulher! Ou seria de fada?
Diziam que os partos feitos pela feiticeira nunca davam problemas! E ele a odiava
ainda mais por isso!
Todavia, não podia se esquecer que a parteira Angel o chamara para acompanhar, junto
com ela, o parto de Fernanda, a mulher paraplégica do advogado Luís Paulo. E tinha certeza
de que ela o chamara, não por que temia que algo de mau pudesse acontecer com a
parturiente, mas talvez para deixar o casal mais tranquilo com a presença de um médico de
verdade. Mas Emanuel Reys duvidava que fosse só por isso. Certamente, a bruxa quisera
mostrar para ele que ela sabia fazer um parto e que não precisava dele para nada!
E será que alguém em Vila Verde precisava realmente dele?
Por sorte, muitos pagavam para que ele os consultasse. E isso era um alívio pois como
único médico do mini hospital de Vila Verde, volta e meia precisava ir atrás do corrupto
prefeito já que este tinha o péssimo hábito de se esquecer de pagar seus funcionários!
Seu consultório particular ficava no andar térreo de sua casa. Assim, quando não
estava no mini hospital público que mais parecia um postinho de saúde, ele estava ali,
como naquele momento a chamar o maldito próximo que nunca entrava.
E onde estava a menina que trabalhava para ele?
- Josene! - Berrou irritado. - Josene!
A mocinha apareceu num salto.
- Sim, doutor?
- Onde você estava?
- Fui ao banco fazer o depósito que o senhor pediu.
- Humm... - Rosnou. - E não tem mais ninguém aí para eu atender? Chamei mas não
apareceu ninguém... Acabamos por hoje?
Se assim fosse, ficaria satisfeito. Estava muito cansado. Levantava-se cedo para
atender aos seus pacientes pagantes e na parte da tarde, ia para aquele maldito mini
hospital. Lá, embora na lista houvesse mais médicos para o atendimento ao público, não
aparecia ninguém. As vezes os outros médicos faltavam por um mês inteiro. E ele acabava
tendo que atender aos que o procuravam e aos pacientes das duas doutoras que deveriam
trabalhar ali junto com ele!
Estava por demais cansado. Atendia cerca de cinquenta pacientes numa tarde. Quem
poderia fazer um bom trabalho atuando daquele jeito?
Seu horário de entrada era as duas da tarde e, na maior parte dos dias, as dez da
noite ele ainda estava tratando as mazelas de alguém. Isso, sem contar as pessoas que ligavam para
ele tarde da noite para serem atendidas numa emergência.
Realmente, ele estava muito cansado.
- Bem, doutor Reys... Ter, até que tem, mas a moça foi trocar a frauda do bebê e já
vai entrar. Posso ir embora?
Emanuel Reys olhou seu relógio de pulso e rosnou outra vez acenando que sim. A menina
trabalhava para ele por meio período pois estudava enfermagem na parte da tarde.
Quando a mulher entrou, uns dois ou três minutos depois, doutor Reys já tinha fumado
um cigarro e se recriminou pois parecia que iria atender a uma criança. Pensou em abrir as janelas já
que fumara numa sala fechada e com o ar condicionado ligado. E já ia se levantar para
abrir as janelas quando a moça foi logo falando.
- Não vou me demorar...
Ele, que estava se levantando da cadeira, parou, de repente, como se tivesse virado
uma estátua. Já vira aquela mulher antes. Mas onde?
- Lembra-se de mim? - Ela perguntou exatamente quando sua memória se esforçava para
reconhecê-la.
- Não! - Rosnou como um cachorro mal educado pronto para atacar. O que ia fazer?
Sabia que a conhecia mas não tinha a menor ideia de onde. E não ia ficar de brincadeira de
adivinhações. - Se veio para uma consulta, esqueça que me conhece e diga logo qual é o
problema.
- Quando se deitou comigo não parecia tão mal humorado.
Lembrou-se imediatamente da mulher. Fora num curso de reciclagem em clínica médica.
Ela era uma das garotas que ficavam rodeando por ali sem que ele soubesse bem para que.
E, pelo que ainda podia se recordar, não lhe perguntara o que ela fazia ali ou da vida. Na
verdade, nem o seu nome ele lhe perguntara. Mas lembrava-se que se deitara com ela. Só não
saberia dizer quantas vezes. Naqueles dias de curso, ele só se mantivera sóbrio
durante as aulas. O que podia fazer? Tinha muitas mágoas para afogar numa garrafa!
- Eu estava bêbado! - Grunhiu.
A moça pareceu não se importar muito com o modo grosseiro do médico.
- Tá certo... Aceito isso. Durante todo o tempo de duração do curso, você esteve
bêbado na minha cama!
- E daí?
- E daí que eu tenho um presentinho para lhe dar.
- Eu não quero nada. Passamos algumas noites juntos e pronto. Eu esqueci
você e espero que tenha feito o mesmo. Já faz bastante tempo, pelo que me lembro.
- Ih! Faz mesmo! - A moça parecia divertida o que o irritava ainda mais pois o fazia
sentir-se inseguro. Alguma coisa estava acontecendo ali e ele não sabia o que era. Ficava
muito mais confortável quando estava atendendo uma daquelas velhas com mania de doença
pois naqueles casos, era ele quem estava no comando.
- Diga logo o que veio fazer aqui e suma! - A voz mais parecia um latido raivoso. -
Tenho mais o que fazer do que ficar falando das noites que passei com uma... Uma... Uma...
- Ei! Cuidado com o que fala! - A moça disse ainda num tom ameno.
- Vai me processar? Vai tirar dinheiro de mim? Já vou logo avisando que não tenho
muita coisa. Trabalho feito um desgraçado para poder me manter vivo. Se queria dinheiro
deveria ter ido se oferecer para um jogador de futebol, um pagodeiro... Se ofereceu para
o cara errado, gracinha!
- Nossa! Você é mesmo um casca grossa, hein? Onde eu estava com a cabeça quando me
deitei com você?
Ia dizer que ele era o que tinha de melhor onde eles estavam mas não queria
encompridar a conversa. Assim, continuou calado.
- E pensar que dentre todos aqueles médicos que estavam lá você era o mais bonito, o
mais charmoso e o mais antipático e arrogante. Gamei em você na hora!
Emanuel Reys ergueu os olhos e as sobrancelhas para o alto num pedido mudo de
paciência aos céus.
- O que você quer? - Rugiu.
- Bem... Tá vendo aquela gracinha de bebê? - A moça falou.
Emanuel Reys nem olhou na direção da criança. Queria que a mulher fosse embora. Já que
não estava doente, por que resolvera aparecer depois de tanto tempo? E logo para
atormentá-lo! A ele!
- Humm... - Tornou a rosnar por entre os dentes. Ia acabar empurrando aquela mulher
porta afora com bebê e tudo o mais.
- Bem... Olhe para o bebê, por favor!
Ele olhou de relance para o bebê e o fato da criança ter os olhos tão verdes quanto os
dele não lhe passou despercebido. Mas e daí? Só queria que aquela maluca pegasse o seu
bebê de olhos tão verdes quanto os dele e desse no pé. Ou teria que arrastá-la para fora?
- Não enche! E chega de me aporrinhar! Saia agora ou vou ligar para o distrito.
- Tá bom, tá bom! Naquelas noites que dormimos e fizemos amor...
- Humm... - Ele agora mostrava mesmo os dentes como um cão ponto para atacar. Não
fizera amor com ela! Nunca fazia amor com ninguém! Ele fizera sexo. E nem se lembrava
direito do sexo ou da mulher!
- Bem... O que importa é que engravidei...
- Humm... - Os dentes continuavam a aparecer. Trincados. Raivosos. E, na verdade,
Emanuel tentava compreender como aquela mulher engravidara dele. Dele! Que sempre tivera o
maior cuidado para não engravidar ninguém! Aquilo era um castigo? E por que aquelazinha
não o procurara há mais tempo?
- Eu... Hã... Arranjei um namorado e ele quer se casar comigo. Mas disse que não quer
começar uma família pronta. que se eu tenho uma criança, nada vai rolar entre nós. Ele não
quer criar o filho de outro. Prefere fazer seus próprios filhos!
- Os dentes de Emanuel Reys iam saltar em cima da moça.
- E ele já é o quarto namorado que me dispensa por causa do bebê... Tudo bem, eu adoro
meu bebê mas não posso mais arcar sozinha com essa responsabilidade... ainda mais que o
meu namorado quer me levar para a Nova Zelândia. Ele é de lá e... Eu não posso mais perder
todas as oportunidades da minha vida por que tive um bebê de um homem que não assume
também a sua responsabilidade.
Emanuel Reys salivava de raiva.
- Então trouxe o bebê para que você também assuma seu papel de pai... Vou embora e vou
deixá-lo com você. Não esquenta pois não vou mais voltar. Se as coisas com esse namorado
não derem certo, tudo bem... Eu já estarei fora do Brasil e tentarei me dar bem por lá!
Mas o bebê fica aqui contigo!
O doutor Reys engasgou-se.
- O que? O que disse? - Teve uma crise de tosse e seu rosto moreno ficou
convulsionado.
- O bebê também é seu! por que somente as mães tem que se sacrificar por que deu um
mal passo. Não fiz o bebê sozinha.
Ele não conseguia respirar? Estaria enfartando? Precisava de um cigarro. De dois.
Precisava de uma dose de conhaque. Duas. Pensando melhor, de uma garrafa inteira!
- Assim, estou trazendo o bebê para você pois parto amanhã para Nova Zelândia com meu
namorado. Pode fazer o exame de DNA pois não fiquei com ninguém durante um bom tempo.
A mulher disse isso e saiu porta afora deixando-o sem ação. E, no minuto seguinte o
bebê começou a chorar.
- Deus meu! - Grunhiu mais uma vez.
O choro do bebê aumentou consideravelmente. Tinha que pegar o bebê no colo pois a
mulher o deixara na mesa de exames. Do jeito que a criança chorava raivosa poderia cair
dali a qualquer momento.
Levantou-se para acudir o injuriado bebê e considerou se a garrafa que sempre deixava
em seu consultório para uma emergência não estaria mais próxima a ponto dele poder pegá-la
antes de por as mãos naquele pequeno ser irritadiço.
Era certo que não tinha o hábito de beber durante o dia. As noites ele geralmente
bebia até cair literalmente. Muitas vezes fora chamado de madrugada para atender alguma
emergência e estava tão bêbado que na manhã seguinte nem saberia dizer o que havia
acontecido. Quando bêbado, trabalhava por instinto. Por sorte, ainda não matara e nem
lesionara ninguém. Mas temia que esse dia não tardaria a chegar. E, nesse dia, entregaria
os pontos de vez. Desapareceria em algum lugar e beberia até morrer!
Mas agora tinha um bebê no seu campo de visão. Era o momento certo para encher a
cara? Dali a pouco teria que ir para o hospital. Não gostava de atender aos seus pacientes
cheirando a bebida embora acreditasse que o cheiro do álcool há muito se entranhara em
sua pele. Assim como o dos quase cinquenta cigarros que fumava por dia!
Desistiu por fim do conhaque. Embora sempre guardasse algo do gênero para as situações
inusitadas, aquela extrapolara todas as expectativas! Quando ele se imaginaria com um
filho nos braços.
Ele nunca quisera ser pai, ter uma esposa, uma família. Não queria se prender a
ninguém, não queria amar ninguém e nem queria essa baboseira de ser amado. Queria morrer
em paz, sem deixar rastro algum para trás.
O que faria com aquele bebê? Não estava preparado para algo assim!
Pegou a criança que se debatia contra ele e correu para fora do consultório a fim de
chamar a louca para que cuidasse do filho. Daria a ela uma pensão, daria a ela qualquer
coisa para que ela desaparecesse com aquela criança de sua frente. Venderia a alma se
preciso fosse para que a tal mulher de quem ele nem o nome sabia, levasse o filho que ela
dizia ser dele e pagaria para não ver nenhum dos dois nunca mais! Entretanto, ao chegar do lado de fora só teve
tempo para ver um carro cantando pneus e se afastando a toda velocidade.
Estava ficando maluco? Que mãe faria aquilo com o próprio filho?
Olhou o bebê nos seu colo e se irritou pois a criança não parava de chorar.
Disse todos os palavrões dos quais conseguia se lembrar e quando terminou seu
repertório, começou tudo outra vez. Contudo, a raiva explosiva que vivia dentro dele não
diminuía não importava quantos palavrões dissesse.
E o bebê continuava a berrar tão raivoso quanto ele.
- Mais essa agora! Não sei cuidar de um bebê! - Disse consigo mesmo. - Tudo bem...
Sou médico... Já tratei um milhão de bebês, mas... Eles tinham mães! Não era eu quem os
alimentava, trocava-lhe as fraudas, ninava... O que eu faço com um bebê?
E constatou aborrecido que teria que estar no mini hospital em pouco tempo.
E o bebê continuava a berrar! Estaria com fome?
Voltou para o seu consultório e encontrou uma mamadeira em meio as roupas emboladas.
Por sorte havia algumas coisinhas de bebês ali.
Sentou-se em sua cadeira com a criança nos braços e tentou aconchegá-la a fim de lhe
dar a mamadeira.
O bebê pegou o bico com sofreguidão. Era certo que estava faminto!
Então, ele aproveitou a trégua para procurar um cigarro em seu bolso e quando ia acendê-lo pensou no bebê.
- Droga! Cigarros fazem mal aos bebês!
E atirou o cigarro no cesto de papéis ao lado da mesa.
Depois que o bebê tomou toda a mamadeira, ele posicionou-o para arrotar se perguntando
se bebês daquela idade ainda arrotavam nos ombros de seus pais. Dava aquele tipo de
conselhos as mães que o procuravam? Não. Então, o que ele diria para uma mãe que o
procurasse com um bebê daquele tamanho em seu consultório?
- Humm... Ia falar para ela tomar cuidado com as assaduras. Então, tenho que mantê-lo
sequinho.
Uma batida na porta interrompeu seus pensamentos.
Ficou irritado. Aquela seria a hora do seu almoço. Por que o incomodavam a cada
segundo de sua vida? Não entendiam que ele precisava de um tempo para si? Não podiam
escolher um momento mais propício para que os acidentes acontecessem?
Mas logo lembrou-se da mãe e seus olhos, embora não parecessem, suavizaram-se.
Ele se tornara médico depois de ver o sofrimento do pai, numa cidade tão pequena
quanto Vila Verde, implorar por socorro para a mulher que se esvaía em sangue após um
parto difícil e em casa, quando o bebê nascera morto.
O pai chorava desesperado batendo na porta do pequeno hospital da cidade mas haviam
lhe fechado a porta na cara.
- Não há médico para o atendimento. - Uma enfermeira dissera.
- Como não há médico? Aqui é um hospital, não?
- Mas nenhum veio trabalhar hoje!
E sua mãe acabara morrendo nos braços de seu pai. Morrera por que nenhum médico
estivera disposto a trabalhar naquele dia.
Depois daquele dia, o pai se entregara a bebida e ele fora passageiro no mesmo barco.
Tornara-se um alcoólatra e um fumante inveterado. Fumava de dois a três maços por dia,
isso desde os quatorze anos. Agora, aos trinta e seis, ainda estava vivo. Não tivera a
mesma sorte do pai, do irmão que nem chegara a ver e nem da mãe.
Sobrevivera. E lutara como um miserável para se formar em Medicina.
E fora para Vila Verde!
E jurara a si mesmo jamais faltar a um dia de trabalho e nem se negava a atender a
qualquer um fosse aonde fosse, ou a qualquer hora do dia ou da noite!
- Entre!
Não estava preparado para ver a pessoa que entrara.
- Angel!
Angel parou um instante tentando compreender a cena que se desenrolava diante de seus
olhos. O doutor Reys tinha uma criança nos braços? Mas aquilo era impossível! Que mulher
de bom senso deixaria seu filho nos braços daquele homem que tinha um humor de cão mesmo
que disse para ir correndo ao banheiro? Aquele homem era capaz de devorar a criancinha!
- De quem é essa criança?
- Grrrr...
Angel não ouviu o que ele respondeu mas como sempre, acreditou que o ouvira rosnar
como um cão pronto para voar na jugular de alguém. Como uma pessoa como aquela podia ser
médico? E, para piorar, era, na realidade, o único médico de Vila Verde já que as duas
doutoras nunca davam as caras naquele casebre caindo aos pedaços e que o ex prefeito João
Baptista construíra dizendo que seria o maior hospital da América Latina, referência para
todos os outros hospitais do país e que seus aparelhos era coisa de primeiro mundo! E nem
ambulância tinha! Na verdade, não tinha nem o hospital!
- Doutor Reys... De quem é essa criança?
- Não é da sua conta.
- Onde está a mãe desse bebê? - Ela fingiu que não o ouvira da primeira vez.
- Não está no meu bolso!
- Ah, tá bom... Esquece... Eu vou saber logo mesmo de quem essa criança é filha..
- Isso eu duvido! O que veio fazer aqui?
- Esse bebê tem os olhos iguaizinhos aos seus. Verdes toda a vida!
- Se não vai dizer o que veio fazer aqui, caia fora! - Cuspiu as palavras entre os
dentes.
- Ah é... Até me esqueci. Ver o senhor segurando um bebê foi a coisa mais... Foi algo
que nunca me passou pela cabeça.
- Humm. - Resmungou. - E nem pela minha.
- Dona Alzira caiu e está sentindo dores terríveis. Pediu que eu o chamasse.
A atitude do médico mudou drasticamente.
- Dona Alzira? Caiu? Como? Tenho que ir até lá com urgência.
- Bem... Nós a colocamos na cama... Ela parecia bem, mas... Sabe como é, né? Ela quer
ver o senhor.
Ele ficou indeciso por um momento. Ainda balançava o bebê nos braços.
- Mas... Como eu poderei ir até lá? Na verdade, nem sei como vou fazer para ir ao
hospital à tarde.
- Por que?
- Por causa do bebê... - Ele fez uma careta de aborrecimento. Ela era burra? Não
conseguia entender sobre o que ele falava?
- Mas quem é esse bebê?
- É meu.
Os olhos escuros da morena se arregalaram.
- Seu?
- Sim...
- Seu bebê?
- Sim... - Berrou irritado e assustou o bebê que estava quase dormindo em seu ombro e assim, logo
começou a chorar.
- Mas... Como o senhor arranjou um bebê? - Ela ignorou o berro dele e se preocupou com o
bebê assustado.
- Deram para mim.
- Quem teria coragem de dar um bebê para o senhor? Alguém louco?
- Grrr... - Rosnou.
- Ah, doutor Reys, conta outra. A mãe desse bebê precisou ir correndo a algum lugar e
não teve outra alternativa a não ser deixá-lo com o senhor, né? Deve estar
preocupadíssima. O senhor deve ser a última pessoa de Vila Verde para quem alguém faria
um pedido desses! - Não reparou que o médico espumava de raiva. - Estranho... Conheço todos
os bebês de Vila Verde mas não reconheço esse aqui.
- Não o conhece por que ele não é daqui. Já disse que é meu! - Falou entre os dentes.
- A mãe dele.. Acabou de deixá-lo comigo.
Angel parecia incrédula.
- Como conseguiu fazer um filho em alguém... - Falou sem pensar no que dizia. -
Nenhuma mulher de bom senso teria coragem de se deitar com vo...
Angel calou-se. Fora longe demais! Doutor Reys soltava fogo pelas ventas. Ia agredi-la
fisicamente?
Para ouvir minhas Historinhas no Telegramhttps://t.me/+WRfH_ByCV2g5NGQx
( Se você já tem o TELEGRM instalado, basta clicar no quadrinho para ele abrir em seu pc ou celular)
Nossa...esse promete! Estou ficando viciada em seus livros!
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