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Série Minha alma gêmea é você 2 - Um homem sem coração

Johnny Depp
      Aline acordara num hospital após  sofrer um terrível acidente. Não mais sabia quem era, de onde vinha e nem para onde ia. Não tinha documentos, bagagem,
nada que pudesse lhe dar uma pista de quem podia ser. Acreditava que seu nome era Aline por causa de um bilhete rasgado que fora encontrado em um de seus bolsos.
E agora? Para onde iria? E, como se não bastasse, o médico que a atendera naquele hospital público acabara de lhe comunicar que ela estava grávida e que o bebê parecia
ter resistido ao pavoroso acidente! Então ela deveria ter um marido em algum lugar! Ou não? Quem seria o pai de seu bebê? Ou nunca recuperaria a memória para saber?
                                        

                                                                                capitulo 1


  Naquele dia, quando Aline Ferreira pegou sua pá e a sua vassoura para dar início a mais um dia de trabalho como chefe da equipe de limpeza da Clínica São
Halle Berry
Gabriel, naquela cidadezinha entre o mar azul e a Serra do Mar, não imaginava, nem de longe, que uma das maiores preocupações de sua vida e que lhe ocupava a mente
há oito anos, estava prestes a ser esclarecida.
        Durante todos esses anos, trabalhara como servente do doutor Anselmo Dornelles. Antes, ele tinha uma clínica que ocupava um andar inteiro de um shopping
no bairro carioca de Campo Grande, bairro esse que ficava muito próximo a cidade onde o médico construíra aquela policlínica de instalações modernas e luxuosas que,
além de oferecer aos seus pacientes tratamento para a maioria das enfermidade conhecidas no mundo, tinha um prédio anexo que se ocupava da pesquisa de algumas doenças
raras, o que era a maior paixão daquele médico, o homem que lhe salvara a vida.
        E ele estava orgulhoso pois em muito pouco tempo, aquele empreendimento já se tornara um referencial no tratamento de doenças de difícil diagnóstico.
        Por vezes, Aline se perguntara se a construção daquele centro médico em São Gabriel dos Mares e que também fora batizado com o nome de seu filho Gabriel
não tinha sido mais que uma coincidência. Afinal, fora para encontrar aquela cidade que ela acabara sendo encaminhada para aquele médico, oito anos antes, depois
de ter acordado desmemoriada num hospital do interior de São Paulo, após ter sofrido um terrível acidente de ônibus que também tivera vítimas fatais.
        Ela sobrevivera. Mas até os dia de hoje, oito anos depois, ainda não sabia quem era e nem o que fazia naquela estrada.
        Todavia, Aline tinha algumas restrições quanto ao seu trabalho como servente num hospital. Não gostava de estar em contato com o sofrimento e a dor alheia.
Por vezes, ficava cara a cara com as pessoas que padeciam dos mais diversos males e isso a deprimia sobremaneira, inclusive quando testemunhava a morte de uma pessoa
jovem.
        E aquele dia, algo assim estava acontecendo naquela clínica e Aline, que era muito emotiva, já vertera algumas lágrimas de tristeza ao constatar que havia
uma senhora muito jovem ainda, mãe de um casalzinho de adolescentes, prostrada ali, a espera da morte que se aproximava a largos passos.
        Aquelas coisas a desestabilizavam e por vezes ela se perguntara se antes de sofrer o acidente que lhe roubara as lembranças, ela se emocionava daquela forma!
        Todavia, tirando o fato da jovem mulher que fora internada na noite anterior   e que sofria de leucemia, nada de diferente acontecera.
        Aline, por ser a responsável por delegar tarefas apesar de também se ocupar delas, conseguia escapar, na maioria das vezes, de situações como aquelas pois
enviava uma pessoa para trabalhar nas áreas onde alguém estivesse sofrendo sem que ela pudesse ajudar.
        De resto, tirando o fato de que, há oito anos queria saber quem era, ela se considerava uma garota de sorte, pois quando o doutor Anselmo cuidara dela, além
de não ter onde cair morta, ela não tinha nem mesmo um centavo em seu bolso. Aliás, nem bolso Aline tinha, já que ele fora rasgado no acidente quando ela rolara,
ou assim acreditava, pelo asfalto da estrada. E fora um pedaço de bilhete também rasgado junto com o seu bolso que a colocara no caminho daquele homem bom. No tal
pedaço de papel havia um nome de mulher: Aline, e o nome de uma cidade: São Gabriel dos Mares. O nome ela assumira como seu assim como acreditava que aquela cidade
era o lugar onde vivia.
        Infelizmente para Aline, depois de tantos anos, ainda não conseguira saber se aquele era mesmo o seu nome e ninguém jamais a reconhecera em lugar algum de
São Gabriel dos Mares!
        Quando o doutor Anselmo Dornelles a chamara para trabalhar na policlínica recém construída, ela gostara. Teria um horário fixo de trabalho, algo que não
tinha quando a clínica funcionava no shopping, e assim poderia se dedicar a sua atividade extra de manicure e pedicure que fazia nas poucas horas vagas que lhe restavam,
pois precisava muito aumentar sua renda e não queria contar com o dinheiro do doutor Anselmo, que já a ajudara além da conta.
        Aline não tinha sonhos e nem anseios de um dia enriquecer, melhorar alguma coisa em sua vidinha pacata, se tornar uma profissional de carreira ou algo semelhante.
        Seu maior desejo era conhecer sua verdadeira identidade e, se não fosse por seu filho Gabriel que lhe trazia outras preocupações a mente, não batalharia
com tanta garra. Seu menino tinha sete anos e precisava de algumas coisas que a cada dia que se passava ficavam mais difíceis de conseguir.
        Aline ganhava um pouco mais de um salário mínimo e complementava seu parco salário fazendo unhas em sua casa ou na clínica, sempre que possível. Não sabia
onde aprendera aquilo. Acreditava que aquela era apenas mais uma das pistas que lhe apontavam quem ela fora naquele passado do qual nada se lembrava.
        O que realmente importava era que seu filho crescia e com ele cresciam também outras necessidades. Antes, quando pequeno, se contentava com brinquedos e
roupas usadas que ela ganhava das médicas que atendiam na clínica onde ela trabalhava e que tinham filhos um pouco maiores que o seu. Jamais pudera comprar as coisas
que o menino necessitava. Seu salário era a quantia certa para pagar o aluguel, comprar alimentos e pagar por serviços básicos como água, luz, telefone e o condomínio
do prédio onde seu conjugado ficava. No entanto, o garoto queria fazer aulas de luta, fazer algum tipo de esporte, ir ao parquinho de diversões que tinha naquele
lugar e ir a pista de gelo para patinar com os amiguinhos.
        Aquela cidade tinha muitas distrações para uma criança e para um adolescente, mas algumas delas deviam custar os olhos da cara.
        Tudo isso, sem contar que seu filho Gabriel parecia tomar chá de broto de bambu. Mal Aline piscava os olhos e ele crescia um palmo. Viraria um gigante? O
pai dele deveria ser enorme! Era uma pena que jamais o conheceria. Deveria ser um belo homem, pois seu filho era lindíssimo! E ela tinha muita curiosidade de saber
quem era e como era o pai de seu filho!
        Teria ela, em algum lugar do mundo, um marido que acreditava que a mulher se fora com outro sem lhe dar a menor satisfação?
        Já não tinha mais esperanças de conhecer a verdade. Acreditava que fora esquecida por Deus naquela bruma escura e espessa que era a sua mente.
        Oito anos! Oito anos de escuridão e esquecimento. Oito anos sem a menor dica de quem ela fora um dia!
        Doutor Anselmo cuidara dela, naquele hospital público, para onde fora encaminhada, assim que pudera se recuperar dos graves ferimentos que sofrera.
        Como ela não sabia quem era e que Aline era o nome que ela encontrara num bilhete em um dos restos de  bolsos da calça jeans que usava no momento do acidente,
acabou por adotar aquele nome como seu. De qualquer forma, não importava. Ela já havia perdido as esperanças de se recuperar por mais que os médicos dissessem que
tudo era possível. Ao final de tanto tempo, deixara de acreditar em milagres, deixara de sonhar, e, só não desistira de tudo por causa de Gabriel, o filho que nascera
em meio aquela escuridão que se tornara a sua vida.
        Os médicos não lhe davam nenhuma esperança de se recuperar completamente algum dia. Eles não tinham tal conhecimento. Diziam que o cérebro era uma zona que
não fora totalmente decifrada ainda pela ciência. E nenhum deles lhe davam a esperança de que um dia recuperaria a memória e descobriria quem era, se tinha alguém
que a amava em algum lugar. Por outro lado, deixavam claro que sua memória poderia surgir de repente. Na verdade, nada sabiam. Só tinham a certeza de que ela estava
grávida e que seu bebê era tão forte e determinado que não sofrera nenhum tipo de dano com todo aquele trauma que ela sofrera. Nada mais!
        Grávida! Era a cereja do topo do bolo que faltava! Grávida! E quem era o pai de seu filho? Quem poderia saber? Ninguém a conhecia! O pai de seu bebê podia
ser qualquer um!
        Ainda lhe fora sugerido, já que não tinha nenhum lugar para ir e ninguém que se responsabilizasse por ela, que pensasse num aborto. O médico dissera que
faria um relatório explicando que com o tratamento agressivo que ela sofrera a fim de sair do estado comatoso, o feto fora atingido e não teria condições de ser
uma criança normal. Aline recusara. Nada mais tinha de seu além daquele bebê de pai desconhecido que trazia em seu ventre. Mesmo que fosse uma criança problemática,
ela arriscaria. Mas duvidava que seu bebê teria algum problema. Era um ser forte, que lutara contra a morte ainda em seu ventre e vencera. Os médicos não haviam
ficados estupefatos por aquele ser minúsculo e indefeso sobreviver a tantos percalços? A ciência não conseguia explicar o que acontecia em seu cérebro e nem como
o seu filho conseguia lutar com tanta garra pela vida. A ciência era ainda muito jovem e inexperiente!
        Por outro lado, ela precisava saber que não estava sozinha no mundo. Ia ter aquele bebê contra todas as probabilidades de fracasso. Ele queria viver! Não
lhe tiraria isso.
        Só não sabia como faria, depois que saísse do hospital. Ia ter um bebê e nem tinha onde morar. Ia ter um bebê e nem mesmo sabia qual era o seu nome. Ia ter
um bebê e nem sabia dizer se aquela gravidez ou o ato que levara aquela vida até seu ventre havia sido um ato de amor, um acaso do destino, algo que ela e o pai
do bebê ansiavam, se fora vítima de algum tipo de violência sexual, se o pai do bebê desejava ser pai. Ou se ela desejara algum dia, ser mãe.
        Mas ali estava ela, grávida e sem saber como aquele bebê fora parar em seu ventre!
        Bem... Isso não era de todo verdade. Sabia como eram feitos os bebês. Acreditava que aquele que ela via crescer em seu ventre, entrara ali da mesma forma,
como a maioria dos bebês, de forma natural. Mas... Amara o pai daquela criança? E se amara, para onde ele teria ido? Por que ele não estava com ela? E, por que ela
sofrera aquele acidente tão longe do local que o bilhete encontrado em seu bolso especificava?
        Com os olhos e a mente na realidade a sua volta, enquanto varria e passava o pano encharcado em desinfetante hospitalar no chão, Aline ouvia as pessoas comentando
sobre a pouca sorte da moça que fora internada na clínica na noite anterior.
        Aquela mulher a tocava tão fundo que lhe doía a alma, embora ainda não tivesse tido a coragem de se aproximar do apartamento onde ela estava internada e
de nem mesmo ter ideia de como ela era.
        Enquanto Aline limpava o chão, viu a figura de cabelos esbranquiçados do doutor Anselmo Dornelles. Não podia evitar de agradecer aos céus por aquele homem
ter aparecido em sua vida no momento em que ela mais precisava de um ser humano que lhe estendesse a mão.
        Há oito anos, ela estivera num hospital do interior de São Paulo, onde acordara, depois de dormir por três dias, sem saber quem era e onde estava.
        Conseguira se recuperar da maioria dos ferimentos que sofrera. Soubera então que estava num ônibus que levava sacoleiros para o Paraguai.
        O que ia fazer ali?
        Não tinha a menor ideia.
        Se tinha uma família, se estava indo fazer compras, se tinha amigos, parentes, filhos, marido, trabalho... Nada. Ninguém a reconhecera, ninguém procurara
por ela... Pegara aquele ônibus numa praça. Um dos sobreviventes vira quando ela chegara. Dissera que ela conversara com o cara que organizava a excursão por alguns
instantes e depois ela entrara no ônibus.
        Infelizmente, o homem que organizara a excursão, também morrera naquele trágico acidente e não havia ninguém que pudesse dizer quem era ela.
        Apenas fora encontrado em um de seus bolsos um bilhete que dizia: Aline. Espero ver você em breve. Venha até São Gabriel dos Mares para que...
        E nada mais. O papel fora rasgado ali. Não sabia de quem era o bilhete, não sabia se era de homem ou de mulher. Só sabia que a pessoa, fosse lá quem fosse
e que morava em São Gabriel dos Mares, deveria saber quem ela era. Mas o bolso onde fora encontrado aquele pedaço de papel fora rasgado quando ela fora arrastada
por alguns metros no asfalto e o resto de suas coisas, se é que tinha alguma, havia desaparecido.
        Então, fora apenas isso que restara. Um nome. Aline. E ela não experimentara nenhum reconhecimento ao pronunciá-lo. Mas por que teria aquele bilhete em seu
bolso. Ou ela era Aline ou ela escrevera o bilhete para a tal Aline.
        Optou para acreditar que Aline era ela. Não poderia ter escrito o bilhete pois não sabia escrever. Ao menos, por enquanto.
        E onde ficava São Gabriel dos Mares?
        - Você devia se sentir feliz da vida! Não é qualquer uma que se parece com Halle Berry! - Falava uma mulher que fora internada na mesma enfermaria onde ela
estava quando fora transferida para um hospital público do Rio, um pouco depois que saíra do coma e recuperara um pouco dos movimentos.
        - Halle Berry? Quem é essa?
        - Halle Berry é uma atriz americana que está começando a fazer sucesso no cinema. Nunca ouviu falar dela? - A mulher, que se chamava Teresa explicou.
        - Como ela ia ouvir falar da Halle Berry se acabou de se esquecer até de si própria? E nem eu que tenho boa memória sei quem é essa! É famosa? - Era a mais
jovem das mulheres que estavam internadas naquela enfermaria quem se manifestava agora. Eram ao todo, contando com Aline, dezoito mulheres, cada uma com um problema
de saúde diferente das outras. Era um hospital público, as pessoas não tinham privacidade e ficavam o dia inteiro deitadas naqueles leitos, e ainda tinham que agradecer
aos céus por terem conseguido se internar, operar de algum problema ou, ser atendida de alguma forma, pois nem sempre era fácil conseguir atendimento. Quem conseguia
uma vaga no sistema público de saúde podia ser considerar como um ganhador da loteria. E aquele que tinha seu problema de saúde solucionado, tinha acabado de ganhar
o prêmio máximo!
        - Halle Berry é mais ou menos famosa. Está em início de carreira e ninguém nunca sabe ao certo como essas coisas vão funcionar no futuro. Mas eu só queria
dizer que Aline é muito parecida com ela e que ela é muito bonita.
        Uma moça que parecia não gostar de Aline riu do outro lado da enfermaria. Estava internada após ter sido espancada pelo marido e tivera três costelas quebradas
e uma lesão no intestino. Aquilo era uma lástima. Todas ali temiam esse tipo de violência. Todavia, todo mundo detestava aquela mulher e a risada debochada que ela
dera fizeram com que o estômago de Aline se revirasse. Aquela mulher, que se chamava Verinha, lançava farpas em todas as direções sempre que podia. Estava aborrecida
por ter sido espancada pelo homem a quem amava e tinha raiva de tudo e de todos por isso!
        - qual é a graça, Verinha? - Alguém perguntou.
        - Estou rindo por acharem que a Aline se parece com a Halle Berry. Nem em mil anos! Vi um filme com essa atriz e ela mulher é muito bonita. Como pode dizer
que Aline, uma aleijada que nem sabe falar a própria lingua pode ser parecida com uma atriz americana? ? A Halle Berry, por acaso, arrasta uma perna quando anda?
Gagueja? É analfabeta?  Aline tropeça nas palavras e tem horas que nem consegue falar algumas
 delas! Não faz nem uma semana ainda andava numa cadeira de rodas! Eu acho é graça!
        - Deixe de ser despeitada! - A mulher que iniciara a conversa chiou.
        - E é muito bonita. Dá pra ver mesmo com essas marcas por todos os lados. - Alguém mais opinava.
        - E de que adianta a beleza dela? Quando anda, arrasta uma perna. Não sabe ler nem escrever. Nem sabe o próprio nome. Fala igual a uma taquara rachada...
Verinha deixava claro em sua voz toda a amargura que sentia.
        - Ei! Já chega! - Tereza falou.
        - Quer saber? A Aline pode ser uma pessoa importante e, quando recuperar a memória, vai se vingar de você, sua invejosa! - A mais jovem estava irritada.
        - Nem ligo. Manda ela entrar na fila. Além do mais, quem é essa aí para que eu tema alguma coisa? Ela não é nada! Não é ninguém igual ao resto de nós!
        - E quem lhe garante que Aline não seja uma pessoa importante?
        - Faz-me rir. Aline? Importante? E onde estão seus familiares, seus amigos, seus subalternos? Sim, por que as pessoas importantes tem amigos e subalternos,
né? Aposto como ela veio parar aqui depois de levar uma surra bem pior do que a que eu levei. Apanhou tanto que perdeu a memória!
        - Ei! Ela sofreu um acidente de ônibus lá no Estado de São Paulo, esqueceu? Estava indo para o Paraguai, lembra?
        - E daí? Ninguém tem ideia do que aconteceu. Ela não se lembra. Ninguém pode dizer nem como o acidente começou. Era noite e todos dormiam. Aline nem sabe
dizer como foi. Não sabe de nada!
        Realmente, Aline não tinha a menor ideia de como tudo acontecera, a não ser pelos relatos de outros sobreviventes. Contudo, temia estar envolvida de uma
forma que a aterrorizava só de imaginar. . Temia que ela, de dentro do ônibus, houvesse, de alguma forma, provocado tudo aquilo. E esse medo estava difícil de abandoná-la.
Seria ela uma criminosa, uma assaltante de ônibus? Seria ela a culpada de toda aquela desgraça que levara vidas e ferira a outros? Não queria pensar naquilo. Tinha,
naquele momento, outras preocupações tão alarmantes e assustadoras quanto aquela de que fora a culpada por aquele desastroso acontecimento. Se fosse assim, merecia
passar por tudo aquilo que estava passando. Por outro lado, em breve, receberia alta. Para onde iria? Ir para Campo Grande não lhe fora de grande ajuda. Ninguém
a encontrara. Colocaram seu nome na rádio local e o jornalzinho do bairro exibiram sua foto por uma semana. De nada adiantara. Em Campo Grande, bairro do Rio que
ficava próximo a São Gabriel dos Mares, ninguém fora procurar por ela. Com certeza, jamais morara ou trabalhara ali. E até mesmo em São Gabriel dos Mares, tal estratégia
não trouxera resultado algum. Parecia que nenhum ser humano do planeta a conhecia. Ela estava grávida e sozinha e não sabia como se virar. Afinal, era quase uma
deficiente. Na verdade, era uma deficiente. Não fora assim que a antipática assistente social a classificara? Não fora esse termo que usara e ao ver a sua reação
negativa não lhe dissera que ela precisava aceitar a realidade? Então, era uma deficiente física que se arrastava ao andar e que se movia com dificuldades. E era
uma deficiente mental que além de não saber ler e nem escrever, não sabia quem era!
        - Mas que ela é bastante parecida com a  Halle Berry isso ela é... - Alguém ainda continuava a bater na mesma tecla, naquela enfermaria onde as outras dezessete
mulheres recebiam visitas todos os dias ou que, a todo instante, alguém telefonava para saber como elas estavam passando. Na hora da visita, sempre lhes levavam
frutas e biscoitos. Um ou outro marido apaixonado até flores levava, embora, na enfermaria eles tivessem que escondê-las para poder entregá-las a alguma paciente
ou contavam com o consentimento de uma enfermeira que ainda se comovia com aquele gesto de carinho.
        Com Aline, nada disso acontecia. Ninguém telefonava, ninguém a visitava. Salvo o doutor Anselmo e algumas enfermeiras que  trabalhavam naquele hospital,
nenhum outro ser parecia saber de sua existência.
        E, por muitas vezes, ela se perguntara se já ganhara flores alguma vez ou se algum ser humano se preocupara com o bem estar dela, algum dia em seu passado
escuro e nebuloso.
        E por onde andaria o pai de seu filho? Estaria ele preocupado com ela? Estaria procurando por ela em algum lugar? Chorava por ela? Sentia saudades? E ela
o amava? Levara-lhe flores alguma vez? E fingia que sim. Que ele lhe dera flores no dia em que ela lhe dissera que estava grávida. Com toda a certeza, ele deveria
ter ficado feliz com a ideia. Tinha que acreditar naquilo. Tinha que acreditar que em algum lugar no mundo, alguém estava pensando nela!
        - É verdade! Bonita como você é não vai demorar muito que seu marido apareça para buscá-la. Nenhum homem de juízo ia querer largar uma mulher bonita assim
por aí... Sabia que algumas pessoas consideram o rosto da Halle Berry o mais perfeito de todos? - Aquela conversa sem sentido continuava na enfermaria do hospital.
        Será que tinha um marido? Outros filhos?
        - Será que ao se curar vai descobrir que tem o corpo parecido com o da Halle Berry?
        - Ei! Não fale besteiras! Não sabe que ela está grávida? - A moça do canto reclamou.
        - Mas tenho certeza de que o marido dela está procurando por ela feito louco!
        - Isso se ela tiver um marido...
        - Isso se não foi ele que encheu a cara dela de porrada e a jogou para fora do ônibus no dia do acidente... - Verinha tornou a falar.
        - Não seja boba... É claro que ninguém faria mal a ela...
        - E como você sabe disso? Os homens não valem nada e... Blá,blá, bla...
        Tudo era possível. Entretanto, aquelas conversas eram intermináveis e não levavam a lugar algum. Que poderia lhe importar se era parecida com uma atriz que
vivia tão longe dela? Se ao menos fosse brasileira, podia crer que eram aparentadas. Mas isso era impossível. E ela não tinha mais esperanças de que alguém fosse
resgatá-la daquele lugar. Estava só e tinha que aceitar esse fato. Mas o que Aline podia fazer. Estava presa na cama de um hospital público, sendo tratada de vários
ferimentos e as únicas pessoas que ocupavam a sua mente eram aquelas mulheres que iam e vinham naquela enfermaria e que, para passar o tempo que caminhava como uma
tartaruga perneta com reumatismo na pata boa, falavam besteiras e mais besteiras por horas e horas. E, quando Aline jurava que já haviam se passado cinco horas de
conversa interminável e sem sentido, percebia que só se haviam passado vinte minutos!
        Como se não bastasse, sua solidão era tão completa que, para  cada uma daquelas mulheres que recebia alta e ia embora, Aline pensava que havia perdido uma
irmã, uma tia, uma grande amiga, um ente querido qualquer. Todavia, nenhuma delas, e havia sido muitas as mulheres que passaram por ali, lhe estendera a mão, lhe
oferecera ajuda, lhe prometera um emprego.
        Por hora, só havia aquilo. Era Aline Ferreira e nada mais!
        Isso, se fosse mesmo a tal Aline. Na verdade, nem disso ela podia ter certeza. E o sobrenome Ferreira ganhara de presente para poder ter o que responder
quando lhe perguntavam o nome.
        Teria uma mãe? Irmãs? Uma amiga? Por que ninguém a procurava?
        Por horas ficava olhando para a porta da enfermaria rezando que alguém entrasse e dissesse que a conhecia, quem era ela, que tinha uma família numerosa que
a amava, que todos estavam preocupadíssimos com ela, que sentiam saudades.
        Mas os meses iam passando e suas orações foram perdendo forças.
        Mas, quem era a pessoa que escrevera o bilhete e o por que ela ia para o Paraguai se São Gabriel dos Mares ficava no Estado do Rio de Janeiro, perto de Seropédica,
Itaguaí, Mangaratiba, Campo Grande, longe do local para onde ela estava se dirigindo?
        Então, talvez fosse uma sacoleira. Talvez vendesse coisas do Paraguai. Talvez...
        Durante anos pensara em todas aquelas coisas. Agora, tanto tempo depois, seu cérebro, agora repleto de impressões e de lembranças que ela acumulara durante
aqueles oito anos, tinha muito mais em que pensar.
        O doutor Anselmo a tratava do mesmo modo como a tratava antes. Ainda cuidava dela. Ainda se lembrava dela, vez por outra e ia visitá-la. Obviamente, ele
nunca a abandonara. Ainda era meigo, atencioso e gentil como o fora desde a primeira vez quando ela chegara toda machucada em seu hospital a procura de sua ajuda.
Nem saberia dizer o que aquele homem fino e requintado vira nela, uma pessoa sem passado, sem eira e nem beira, quem nem mesmo conseguia planejar seu futuro. Afinal,
ela não era uma pessoa importante, não tinha estudo, mal reaprendera a ler e a escrever. Seu cérebro fora atingido, de uma forma que ela não compreendia, pelo acidente
que lhe roubara a memória. Tudo indicava que ela perdera algo mais, além de suas lembranças. Durante um tempo, desaprendera muitas coisas. Quando acordara, além
de não saber quem era, também não sabia andar e falava com certa dificuldade. Apenas balbuciava algumas sílabas. Então, não perdera só a memória. Além de não ter
nenhuma lembrança, mesmo tanto tempo depois, sua vida parecia despedaçada, apesar de amar seu filho acima de qualquer coisa.
        Conseguira recuperar alguns movimentos de seu corpo todo machucado. Mas haviam lhe dito que provavelmente, jamais reaprenderia a fazer as mesmas coisas que
fazia antes. Talvez não mais voltasse a ler, a caminhar sem mancar de uma perna, a movimentar-se com destreza, a andar de bicicleta, a dirigir um carro, ou, até
mesmo a falar corretamente.
        Na época ela rira ao ouvir aquelas palavras. Dirigir um carro? Aquilo ainda a fazia rir tantos anos depois. Pelo jeito ela deveria ser pobre demais para
isso! E, quem poderia dizer com certeza se ela sabia ler antes do acidente? O bilhete encontrado em seu bolso rasgado não significava nada! Talvez até já mancasse
antes do acidente! E quem saberia dizer se ela não era gaga ou coisa parecida?
        Contudo, a ideia de dirigir um carro, volta e meia, não parecia a ela algo tão absurdo.
        O doutor Anselmo nada dissera quando ela lhe devolvera essas perguntas sem respostas, nem naquela época e nem agora, oito anos depois.
        Aquele homem fora contatado pelo médico que a atendera num hospital em Registro, uma cidadezinha do estado de São Paulo, depois que o ônibus onde ela estava
se dirigindo para o Paraguai capotara várias vezes, na Régis Bitencourt, matando algumas pessoas e deixando outras feridas e em estado grave, como ela ficara.
        O médico que a atendera, talvez por ainda não estar endurecido o suficiente para tratar das mazelas humanas ou por que fosse realmente um homem compassivo,
entrara em contato com o hospital Rocha Faria, em Campo Grande, no Rio, por achar que era o mais próximo do local que o bilhete encontrado  no bolso de sua calça
jeans , especificava.
        Doutor Anselmo, penalizado com o sofrimento da jovem que não tinha onde cair morta, a acolhera naquele hospital, a fim de que ela pudesse se recuperar ,
por acreditar que ela estava num lugar onde vivera antes, por estar perto de pessoas conhecidas, e que ia acabar sendo encontrada por algum familiar, marido ou mesmo
um colega de trabalho. E, de certa forma, o problema que ela apresentava, era um bom caso para estudo, para alguns especialistas.
        Ele era um médico apaixonado por todo o tipo de pesquisa sobre doenças raras e de tratamento difícil e dedicava muito de seu tempo livre aos enigmas da medicina,
aquelas doenças as quais eram quase impossíveis de serem diagnosticadas. Embora não contasse com o fato de que ninguém a reconheceria, ele se interessara pelo assunto.
Depois, com o passar do tempo, acabou por se sentir responsável por ela. Era uma moça sozinha no mundo e contava com muito pouco para sobreviver.
        Na época, Aline não se importava muito para onde ia. Tinha a cabeça vazia de recordações. Não tinha identidade, não tinha um endereço, não tinha amigos e
nem parentes e soubera, ainda no primeiro hospital para onde fora levada e onde dormira por dias, que estava grávida de algumas semanas.
        E oito anos depois, tudo permanecia igual.
        Lembrava-se de que todos ficaram alarmados pelo fato do bebê estar bem depois de todo aquele sofrimento pelo qual passara. Assim Aline acreditava que seriam
duas as pessoas sem identidade. Ela, que deveria ter uns vinte e um, vinte e dois anos e seu filho, que ainda não nascera mas já vinha ao mundo sem pai e sem família.
        E por que tudo aquilo? Oito anos depois ainda se perguntava o por que dela ter que passar por aquele sofrimento. Ainda lhe doía na alma estar tão sozinha.
Ainda lhe machucava saber que ninguém procurara por ela. Ainda não tinha uma identidade própria, ninguém que a fizesse se sentir parte de alguma coisa. Ainda não
era ninguém! E talvez, já que nenhum ser humano jamais lhe dera uma pista, não seria nada nem ninguém até o fim da vida.
        Como alguém poderia ter esperanças de encontrar sua família, o pai de seu filho, algum conhecido se, durante oito anos jamais alguém a procurara, e ela jamais
soubera que qualquer outro ser a conhecesse de algum lugar?
        Tudo por que alguns seres cruéis resolveram saquear o ônibus, em vez de socorrerem as pessoas que agonizavam, que gemiam e morriam sem ajuda. Levaram o dinheiro,
as bolsas, os documentos das pessoas que estavam morrendo e daquelas que imploravam por socorro.
        E ainda sentia medo ao recordar que, durante todos aqueles oito anos ela temera que pudesse ter, de alguma forma, provocado aquele acidente.
        Mas, por mais que tentasse esquecer aqueles dias, o acidente não saía de sua cabeça. Não o acidente em si. Disso ela não se lembrava. Acordara do coma somente
três dias depois. Mas recordava de cada minuto depois que tomara consciência de que estava viva e respirando. Aquelas lembranças eram dolorosas demais por que, mais
que tudo, ela tinha medo de que pudesse ser, de alguma maneira, a culpada por tudo aquilo.
        Mal abrira os olhos e percebera que estava em um local desconhecido. Logo descobrira que todos os lugares, todos os rostos, tudo o que via ou ouvia era-lhe
totalmente estranho.
        Com relação a gravidez, nada podia dizer. Sua cabeça era um campo cheio de nada quando o médico se referira a uma gestação.
        "Quatro semanas!" Estava grávida há quatro semanas e nem queria pensar como aquilo acontecera.
        Mesmo que jamais soubesse a verdade, pedia aos céus que seu bebê tivesse sido gerado com o seu consentimento. Adoraria saber que ela e o pai de seu filho
se amavam. Provavelmente, nunca saberia nada sobre isso. Mas não gostaria de saber que seu bebê fora gerado por que ela poderia ter sido violentada e engravidado
de algum delinquente. Estaria fugindo daquela pessoa, do suposto pai de seu filho?
        E se ela fosse uma bandida? Ouvira dizer que o acidente fora provocado por ladrões que haviam simulado uma barreira no meio da estrada para forçar o ônibus
a parar, a fim de roubarem todo o dinheiro que os sacoleiros levavam para suas compras. Como o motorista não parara, eles atiraram nos pneus e o ônibus acabara rodopiando
na pista e capotando várias vezes, matando seis pessoas e ferindo as demais, nos mais diferentes graus de rico de morte.
        Aline ouvira todas as explicações bastante receosa. E, quando o detetive de polícia entrara em seu quarto para interrogá-la, assim que ela havia se recuperado
um pouco, ficara temerosa de poder ter alguma participação naquela trama. Ao menos, fora o que o detetive parecia deixar claro. Que ela era uma suspeita de fazer
parte da quadrilha.
        E ela se assustara. Não se sentia muito inteligente, não sabia ler nem escrever e, naquele momento em que o detetive lhe fazia um monte de perguntas, ela
mal sabia falar, andar ou se mover com prontidão. Mas sabia que entendia de armas. Viu a pisstola do detetive e sabia que aquele artefato não lhe era de tudo estranho.
Tinha certeza de que, em algum momento de sua vida, manejara uma arma.
        Então, era possível que ela estivesse macumunada com os bandidos que haviam causado aquela confusão, a morte de seis pessoas, a paralisia de uma outra, vários
ferimentos em uma porção de outras mais e a falta de memória dela além de estar quase a beira de um retardo mental?
        Seria ela capaz de causar tanta desgraça a si mesma e aos outros?
        Por sorte, o depoimento de outros sobreviventes deixaram claro, para o detetive, que ela nada tinha a ver com o crime, que a atitude dela, diante dos fatos
que antecediam ao acidente,, não demonstravam qualquer coisa suspeita.
        Mas ela mesma ainda carregava algumas dúvidas. Tinha certeza de que sabia alguns truques de luta e que sabia manejar uma faca. E, pelo que percebera de si
ao ver a arma do poicial, aquilo lhe parecia muito familiar. Seria ela uma assaltante de ônibus que de lá de dentro dava instruções aos bandidos que os seguiam guiando
um carro ou uma van?
        Só lhe restava torcer para que o detetive estivesse certo e que fora apenas uma casualidade que ela estivesse ali, no lugar errado, na hora errada.
        De qualquer forma, Aline ficara preocupada com tudo aquilo.
        Na verdade, ninguém se interessara em saber realmente e, naquela altura dos acontecimentos, ela já não se importava. Ficara por quase vinte dias em São Paulo,
fazendo fisioterapia a fim de recuperar um pouco dos movimentos das pernas e dos braços. Assim que pode, fora levada ao hospital onde o doutor Anselmo trabalhava.
Como ainda não soubesse andar, ficara por lá por mais três meses, a maior parte do tempo presa a uma cadeira de rodas.
        Quando recuperou um pouco dos movimentos e teve a maior parte de seus ferimentos tratados, tivera alta.
        Então, ficara na porta do hospital, ouvindo uma assistente social matraquear em seu ouvido de que ela estava recebendo do governo, por ser classificada como
deficiente física, um salário mínimo, o que ela logo perderia quando estivesse apta para trabalhar. Deram-lhe o endereço de uma pensão em Campo Grande e foi para
lá. No dia seguinte, saiu a procura de emprego.
        - Grávida? 
        Quem daria emprego a uma mulher grávida, que usava roupas dois números maiores que seu corpo pois estava muito magrinha, que mancava de uma perna, que tinha
um braço meio pendurado e que falava com certa dificuldade?
        - Não sabe ler e nem escrever? Então, nada feito! - Era o que se cansara de ouvir.
        O que aquela mulher deficiente conseguiria fazer? Ninguém quisera pagar para ver.
        - Sem documentos? Apenas uma identidade provisória? É por acaso uma ex detenta? Não damos empregos a ex detentos! - E mais uma porta se fechava em sua cara!
        Onde se metera a sósia de  Halle Berry que todos diziam que ela era? De que lhe adiantava ter um rosto que todos diziam que era lindo?
        Como se a sua sorte jamais retornasse, alguém na pensão arrombara o cadeado de seu armário e roubara-lhe todo o dinheiro que recebera com a ajuda da assistente
social mal humorada.
        Não queria voltar ao hospital e ter que se humilhar diante daquela mulher que parecia estar de mal com o mundo. Mas, como sempre em sua vida, não tinha alternativa.
Após procurar emprego por quinze dias, voltara ao hospital em busca de uma orientação.
        Obviamente, a assistente social que não queria se comprometer, saíra pela tangente.
        Terá que esperar até receber o outro pagamento. E precisa aprender a ser mais esperta?
        No fim de uma tarde de verão, quente como somente o Rio de Janeiro sabia ser, Aline sentou-se embaixo de uma árvore e chorou por horas.
        As pessoas que passavam por ela, achavam que era apenas uma alcoólatra ou uma deficiente mental a mais no meio daquela cidade grande e a deixavam chorar
em paz. Ignoravam-na, como se faz em qualquer dessas situações. Quem ia lhe estender a mão e comprometer-se? Quem se importaria com uma mulher mal vestida e de pele
escura que chorava numa rua qualquer? Ela estava só, grávida, sozinha e perdida num mundo onde ninguém a queria.
        O que faria? Não tinha mais o dinheiro que a assistente social lhe dera e agora a mulher se negava a ajudá-la, deixando claro que ela era apenas mais uma
das inúmeras pessoas que se aproveitavam da previdência para sobreviver. E a pensão a colocara para fora pois não aceitariam uma mulher negra, analfabeta e deficiente
que não tinha como pagar suas dívidas.
        E foi nesse estado lastimável que o doutor Anselmo a encontrou quando manobrava seu carro.
        - O que faz aqui, menina? - Ele falou com a voz carinhosa. Sentia por aquela mulher desamparada uma ternura que o tocava no fundo da alma. Quando dera-lhe
alta, fizera o possível para não intrometer-se. Sabia que ela receberia uma ajuda do governo. A assistente social já o colocara a par das notícias. Então, por mais
que seu coração doesse por ter que deixá-la partir, não podia interferir. Eram pessoas diferentes, de mundos diferentes e ele era um homem casado. O que poderia
ele oferecer a ela além de dinheiro? Tinha que ser forte e evitar comprometer-se demais e complicar a sua vida.
        Ofereceu ajuda a Aline. Amaldiçoou-se pelo que ia fazer, mas não deixara de pensar nela nem por um segundo desde que ela dera entrada em seu hospital. Conseguira
perceber que ela era uma bela mulher. E estava muito vulnerável, sozinha no mundo, sem ninguém que lhe estendesse a mão.
        Ele, porém, podia fazê-lo. Tinha condições para isso. E sabia que por baixo daquelas roupas feias, por trás daquele jeito estranho de falar e de andar se
escondia uma mulher de corpo escultural e de rosto perfeito. Era linda e, quando se recuperasse totalmente, seria um estouro! Ele, de certa forma, poderia estar
com ela enquanto se recuperava. Seria como ver o desabrochar de uma belíssima flor.
        E assim, ofereceu seus préstimos, que ele sabia, ela não recusaria. Não tinha alternativa. Ele era a única pessoa que lhe oferecia um teto e um prato de
comida. Mesmo que, ao final do mês ela fosse receber dinheiro da previdência, naquele momento ela estava sem nada.
        Aline acabara por agradecer aos céus. Aquele homem bondoso, muito ocupado, muito elegante e muito bonito com aqueles cabelos castanhos cheios de fios grisalhos
e aquele par de olhos azuis feito um céu de primavera, oferecia-lhe ajuda. E ainda a olhava como se ela fosse uma mulher bonita! Queria namorá-la! Talvez até quisesse
se casar com ela e desse um nome ao seu filho sem pai. Entretanto, quando num dia ela lhe perguntara se ele tinha intenção de se casar com ela, ele lhe lembrara
que ela já poderia ser casada e que Podia ter uma família esperando por ela em algum lugar. No momento, ele só poderia oferecer o seu afeto e o seu carinho. Quando
ela recuperasse a memória poderia decidir que caminho seguir.
        Aline nem desconfiara que ele não lhe falara que se casariam algum dia, caso ela pudesse.
        Naquele tempo, o doutor Anselmo se preocupava também com outras coisas. Tinha que ser muito discreto. Sua mulher, médica como ele, nem poderia desconfiar
do que ele fazia. Afinal, era a sua esposa que tinha prestígio. Ele, antes um João ninguém, se casara com uma médica conhecida internacionalmente e que era, ao mesmo
tempo, herdeira de milhões.
        Quando Aline descobriu que ele era casado, fora no dia em que seu filho nascera. Vira, por acaso, na enfermaria onde estava internada, uma revista que outra
mulher, que estava em trabalho de parto, havia comprado antes de sentir as contrações e se dirigir para o hospital.
        Na foto apareciam o médico, a esposa, seu filho e o segundo neto que acabara de nascer.
        Ela pensou em chorar. Mas nem era tão apaixonada por ele assim. Pensou em terminar tudo. Mas, naquele momento em que seu filho vinha ao mundo, seu futuro
era incerto demais. Não tinha emprego, não tinha amigos, não tinha para onde ir. O médico era a única pessoa que cuidava dela, que lhe dava apoio. Certo ou errado,
ela não podia dar as costas a ele. Mas prometera a si mesma que aprenderia a viver com o que tinha, que não iria tornar-se dependente financeira dele. Assim, se
um dia tudo acabasse, ela não teria problemas em se adaptar a sua vidinha miserável.
        Por sorte, jamais aceitara dinheiro dele além do primeiro aluguel do conjugado quando ela ficara sem nada. Não quisera acostumar-se ao luxo que ele lhe oferecia
e que ela sabia que poderia perder a qualquer momento. E nem acostumaria o seu filho a um padrão de vida que ela não poderia manter, caso ele a deixasse.
        E assim agiu por todos os anos em que fora amante daquele médico. Pagava o seu aluguel com o seu salário e até mesmo o seu telefone do plano básico, algo
que ela tinha mais por causa dele.
        Quando seu bebê nascera, dera o nome de Gabriel, por causa daquela cidade, o  único lugar do mundo que ela achava que alguém a conhecia. De certo que fora
até lá e andara por aquelas ruas. Fora a praia em São Gabriel dos Mares, procurara empregos de domésticas nas casas e de garçonete nos bares.  Ficara na porta de
várias escolas, tanto no horário de entrada como no horário de saída dos alunos, mas ninguém parecia saber quem ela era.
        Certo dia, cansada, sentara-se num banco de praça e algumas adolescentes vieram perguntar se ela era a famosa atriz de cinema. Decepcionadas, as garotas
se afastaram rindo dela e de seu modo de falar.
        - A mulher é uma retardada e vocês pensando que era uma atriz de cinema americano! - Bem falar a mulher sabe! - Falava uma das mocinhas enquanto as outras
se divertiam muito com o ocorrido.
        Aline ouvira os comentários e as risadas mas deu de ombros. Por que ia se importar com aquilo. ali, naquela cidade, nenhum ser humano parecia saber mesmo
quem ela era!
        Era triste pois tivera a esperança de que seu amor estava ali. Como poderia saber se houvera um amor em sua vida? Sonhara tanto com isso que até aprendera
a visualizar o homem dos seus sonhos. Era como seu filho Gabriel. Lindo como um anjo, moreno e muito amoroso. Era certo que seu filho saíra ao pai. Nada tinha dela.
Então, o pai dele deveria ser o homem mais lindo do mundo por que seu filho era o menino mais bonito que existia no planeta Terra!


   Se você gostou deste primeiro capitulo e gostaria de saber como termina esse romance, acesse um dos links abaixo...



    Minha alma gêmea é você 2 - Um homem sem coração





 


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                                                             Orações da ceguinha - Salmoss para todos os males

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